quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A entrada das tropas invasoras em Portugal


Fonte: Wikipédia
Ponte de Alcantára, sobre o rio Tejo 





Depois de marchas forçadas por caminhos bravios e serras, acompanhadas por chuva incessante e até um pouco de neve (à saída de Salamanca), e de grande parte dos seus homens, cavalaria, artilharia e munições terem ficado para trás, Junot consegue-se reunir, em Ciudad Rodrigo, com um corpo de cerca de 7.500 espanhóis comandados pelo General Carrafa. Uma vez aí, Junot ordena que se preparem em Alcántara rações para para 4 dias, pois sabia que a região portuguesa onde ia entrar não estava melhor abastecida do que a que tinham acabado de passar. No entanto, como ele próprio escreverá a Napoleão, chegando a Alcántara, no dia 17, "lá não encontrámos nada, nem sequer para o dia de chegada"... 
Pese este grande contratempo, Junot envia no dia seguinte uma tropa de reconhecimento do terreno até ao ao Rosmaninhal, que comprovaram que os mapas que tinham eram bastante inexactos. Finalmente, no dia 19, Junot ordena que comece a entrar a vanguarda do exército invasor no território português. Essa vanguarda era composta por:


300 homens de cavalaria ligeira espanhola;
1 companhia de mineiros - entre 100 a 200 homens (?);
70.º Regimento de linha - cerca de 2500 homens.




Na madrugada do dia 20 entra o resto da 1.ª divisão, comandada por Junot:


Fonte: Panoramio
Ponte de Segura, unindo Portugal e Espanha



1.ª Brigada:
                 15.º Regimento de linha - 1040 homens;
                  47º Regimento de linha - 1280 homens;
                      1 Batalhão do 4.º Regimento suíço - 1300 homens;
                      1 Companhia de Artilharia ligeira espanhola, com as suas 6 peças de canhão;
2.ª Brigada:
                  86.º Regimento de linha - 2490 homens;
                      1 Regimento espanhol de Infantaria (Mallorca) - 1500 homens;
                      1 Companhia de Artilharia ligeira com 6 peças.














Ver mapa maior

Percurso das primeiras tropas a entrarem em Portugal: de Alcántara ao Rosmaninhal, passando por Segura

Primeiras perturbações em Lisboa: as esquadras russa e britânica

Fonte: BND
Mapa inglês de Lisboa e arredores (1808)   




Entre os dias 10 e 13 de Novembro de 1807 ancorava no estuário do Tejo uma esquadra russa vinda de Corfu, no Mar Jónico, composta por 11 embarcações de guerra. Começavam a surgir os primeiros sinais de alarme, pois sabia-se que os imperadores russo e francês se tinham pacificado. De facto, o aparecimento destes navios (que, adiante-se desde já, não intervirão directamente na invasão francesa e espanhola a Portugal) não poupou sustos em Lisboa e arredores, como relata Acúrsio das Neves. Segundo este, a dita esquadra, “não podendo encaminhar-se aos portos da Rússia naquela estação, por causa dos gelos do Báltico, era natural que procurasse um outro onde invernasse, e fizesse os concertos de que alguns navios precisavam. Em toda a sua travessia nenhum lhe oferecia tantas comodidades como o de Lisboa; e por isso nada tinha de extraordinária a sua entrada no Tejo. Mas o povo, e principalmente a classe dos que se metem a falar em política, gostando tanto de ler no futuro, como de formar sistemas sobre os factos pretéritos, e querendo sujeitar tudo às regras da sua imaginação, e aos planos que inventa; que muitas vezes se engana, mas algumas também acerta, decidiu logo que esta esquadra era mandada às ordens de Napoleão, e para cooperar segundo o seu plano” (in José Accursio das NEVES, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, e da Restauração deste Reino – Tomo I, 1809, Lisboa, pp. 153-154).
Poucos dias depois surge uma esquadra britânica na foz do Tejo, bloqueando a sua passagem e, consequentemente, a entrada e saída de géneros no maior porto português. O povo preparava-se para o pior, receando que sucedesse em Lisboa o que tinha acontecido dois meses antes em Copenhaga.       
                                                                        

Acordos entre o Principe Regente de Portugal e Sua Majestade Britânica

Cedendo ao ultimato imposto por Napoleão, o príncipe regente D. João decreta, no dia 20 de Outubro, o encerramento dos portos portugueses a embarcações inglesas. Tal decisão torna-se pública através do seguinte edital, publicado dois dias depois:



Contudo, no mesmo dia em que este decreto foi publicado, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha, George Canning, juntamente com o embaixador português em Londres, D. Domingos António de Sousa Coutinho, assinavam secretamente um acordo, com o objectivo de salvaguardar a Família Real portuguesa, através da transferência – somente em último recurso, isto é, em caso de invasão – da sede da corte portuguesa para o Brasil. Previa também este acordo que a Inglaterra se comprometia a não invadir a ilha da Madeira ou qualquer outra colónia portuguesa, desde que continuasse a ser salvaguardada nos seus portos a admissão de artigos de origem britânica. Mas se Portugal fosse obrigado a se submeter à França, a dita ilha seria guardada em depósito pela Grã-Bretanha. A importância geo-estratégica da Madeira era fulcral para a Grã-Bretanha, pois não nos podemos esquecer que os portos portugueses eram então praticamente os únicos portos seguros de acolhimento das suas mercadorias na Europa. Se Portugal se unisse à França, a Madeira seria o local mais próximo para escoamento dos produtos britânicos. Esta aliança era, portanto, não só política, mas sobretudo comercial, e de vital importância para o povo mercantil inglês. 
Eis o texto dessa convenção secreta, que antecipava assim o próprio Tratado de Fontainebleau (embora se deva frisar que o Príncipe português só ratificará este documento no dia 8 de Novembro):



Convenção secreta entre o Principe Regente de Portugal 
e Sua Majestade Britânica sobre a transferência 
da sede da monarquia portuguesa para o Brasil 
no caso de invasão de Portugal 
(22 de Outubro de 1807)
















In Joaquim José Pereira de FREITAS, Biblioteca Histórica, Política e Diplomática da Nação Portuguesa – Tomo I, Londres, Casa de Sustenance e Strecht, 1830, pp. 116-125.

A passagem das tropas de Junot pela Espanha



As tropas de Junot começaram a entrar na Península Ibérica a 18 de Outubro, ou seja, alguns dias antes do Tratado de Fontainebleau ter sido assinado. Recordemos que a convenção secreta anexa ao referido tratado previa, entre outros termos, que "as tropas francesas serão sustentadas e mantidas por Espanha". 
Pois bem, logo no dia 3 de Novembro, Junot escrevia a Napoleão, em Vitoria, dizendo que algumas ligeiras discussões que resultavam da diferença das moedas francesa e espanhola "teriam sido evitadas se o Príncipe da Paz nos tivesse querido ajudar com todo o seu poder, mas parece que o seu zelo tem abrandado bastante de há tempo a esta parte; apesar disso, tudo correrá bem". 
Tudo correrá bem... bem cedo perceberia Junot o quanto estava enganado... Nessa mesma carta, como que prenunciando o que viria a acontecer, dizia ele que "tivemos alguns dias maus à partida, mas agora estamos na planície, e espero que haja melhor tempo; faltam-nos capotes na maioria dos Regimentos das 2.ª e 3.ª divisões; é de certo um erro dos majores, que os não mandaram dar aos seus Regimentos na ocasião da partida para Bayonne ". Ainda assim, rematava: "Não é possível ver soldados mais bem dispostos nem oficiais mais ávidos de merecer a confiança que receberam de Vossa Majestade Imperial e Real". 
No dia 6 de Novembro, em Pancorbo, Junot recebia uma carta do imperador, que lhe ordenava que estivesse em Alcántara, junto à fronteira portuguesa, no dia 20 do mesmo mês. Na resposta a Napoleão, Junot diz que "ouso assegurar-vos que ela [i.e., a primeira divisão do exército] lá estará e que toda a segunda [divisão] se lhe terá reunido, quando muito, no dia 23 e que não perderei um minuto para entrar em Portugal. Sinto muito bem a importância que há em me apoderar de Lisboa para descuidar o que quer que seja que Vossa Majestade se digna dar-me, seriam precisos acontecimentos imprevisíveis, e que me não fosse possível evitar, para que eu falhasse o objectivo que V.M. se propõe. Estamos agora na estação das chuvas, e desde a nossa partida elas não nos deixaram nem por um instante, mas os soldados marcham com coragem e em boa ordem".



Percurso das tropas francesas no território espanhol (a azul).
A vermelho indicam-se os pontos de aquartelamento das tropas espanholas antes de invadirem Portugal.



Na cidade espanhola de Irun (fronteiriça com a França), publicou-se no dia 8 de Novembro a seguinte lista, referente à entrada das tropas de Junot na Espanha: 







Regressando à correspondência de Junot para Napoleão, entre os dias 6 e 19 de Novembro, verifica-se um novo hiato. (Seria a chuva que empapava o papel?)... 
Nesse dia 19, junto à fronteira portuguesa (mais precisamente em Alcántara), Junot confessava a Napoleão os sofrimentos que tinham decorrido dessa árdua viagem. Pelo seu conteúdo ser bastante esclarecedor, transcrevemos um grande excerto dela: 
"A 3.ª divisão e a cavalaria, bem como a artilharia das 2.ª e 3.ª divisões [isto é, grande parte do seu corpo, e talvez a mais importante, em caso de resistência dos portugueses] e todos os trens do exército, foram detidas a 2 dias daqui pelo súbito engrossamento de várias torrentes; na travessia de uma delas, afogaram-se-me 5 homens da 1.ª brigada da 2.ª divisão que nela se meteram muito imprudentemente. Apesar destes atrasos, espero que a 3.ª divisão chegue ao Rosmaninhal no dia 22 ao meio-dia, o mais tardar, e que a cavalaria, que tem ordens para forçar a marcha, esteja na mesma data em Idanha-a-Nova e possa chegar ao Zêzere ao mesmo tempo que as duas primeiras divisões; quanto aos trens e aos transportes militares, seguirão como puderem. Morreu parte dos cavalos e partiu-se grande número de caixões.
A artilharia da 2.ª divisão está neste momento praticamente toda sem condições para marchar. O estado de ruína em que ela se encontra resulta de ter sido conduzida por bois e gente do campo, por de outra maneira não ter sido possível; por isso agreguei a esta divisão 6 peças pertences à primeira [divisão], cuja artilharia, conduzida por cavalos do trem e dirigida pelo infatigável e excelente capitão Hulos, do 6.º Regimento de artilharia apeada, não sofreu praticamente quaisquer danos. 
Soube agora mesmo que toda esta artilharia atravessou as torrentes, com a única excepção de 9 caixões e carroças de munições, o que dará à minha primeira divisão 3 peças de 8 lb. e 3 peças de 4 lb. com munições e me permitirá acrescentar 2 peças de 4 lb. à minha vanguarda.
Vossa Majestade não pode fazer uma ideia da estrada que o meu exército teve de percorrer de Ciudad Rodrigo até aqui; não passa de uma sucessão de rochedos empilhados uns sobre os outros, que a minha artilharia teve de transpor; esta má estrada é cortada em vários locais por torrentes que em uma hora crescem três pés e, além de tudo isto, uma neve espantosa no alto da serra e uma chuva que nos fustiga continuamente quando chegamos ao lado que dá para a Extremadura. No entanto, Sire, o meu exército não se queixava destas dificuldades; mas, depois de percorrer 15 léguas por dia [± 60 km/dia, valor certamente exagerado] nestes horríveis caminhos, chegava a aldeias sem recursos onde não lhe tinham preparado qualquer subsistência.
Não devo deixar no desconhecimento de Vossa Majestade que desde Salamanca até aqui não tinha sido dada qualquer ordem para a nossa passagem e que em nenhum lado estava pronta qualquer ração de pão. Estou em Alcántara há dois dias, mandei reunir todos os meios de subsistência e, apesar disso, as tropas não puderam receber mais que a sua meia-ração. O Governador de Alcántara escreveu-me, dizendo positivamente que não tinha recebido da sua corte, nem também de Ciudad Rodrigo, nenhum aviso sobre a nossa passagem; que não tinham recebido nem um soldo, e eu fui testemunha de o Capitão General Carrafa, que deve comandar as tropas espanholas sob as minhas ordens, se ter visto obrigado a pedir emprestado à custa do seu próprio crédito para poder mandar fazer em Alcántara o pouco pão que ali tivemos.
Nenhum dos empregados do Governo espanhol acredita na nossa entrada em Portugal, e o próprio Carrafa (criatura do Príncipe da Paz) tinha ordens para reunir a sua divisão em ValladolidSalamanca. Felizmente, eu previra que isto ia acontecer e tinha-lhe enviado com antecedência um dos meus ajudantes de campo para que ele mandasse parar nos arredores de Alcántara as tropas que trazia e que me deram


                 1500 homens (Regimento de Maiorca)
                   400 homens (Dragões da Rainha)
                   150 mineiros
                        2 companhias de artilharia ligeira com 12 peças


O Capitão General Carrafa seguirá pessoalmente o meu quartel-general e deixa ordens para que os Regimentos constitutivos da sua Divisão que aqui deverão chegar o sigam imediatamente. 
O caminho que vamos percorrer até Abrantes é extremamente mau e as estradas são pouco menos que impraticáveis, já pelo pelo próprio terreno já pelas torrentes, que nesta estação engrossam tão depressa; vamos encontrar grandes dificuldades para aqui viver, mas isso será mais um motivo para que nos apressemos a entrar em melhor região. Cheguei aqui sem chefe de estado-maior, sem ordenador e sem pagador, pois nenhum deles me pôde acompanhar, mas tenho, pelo menos, a felicidade de ter conseguido activar todas as coisas e serei recompensado disso se assim tiver realizado as intenções de Vossa Majestade. Seriam precisos grandes obstáculos que eu não pudesse prever para não estar em Lisboa a 1 de Dezembro; teria, ao menos, feito para isso tudo o que humanamente era possível. Posso assegurar a Vossa Majestade que de Salamanca a Alcántara são 55 léguas de caminhos horrorosos e um tempo assustador, mas as minhas tropas percorreram percorrem esse trajecto em cinco dias [a uma velocidade média de 44 km/dia].
Não tive possibilidade de obter aqui a mínima informação sobre Portugal. O Governador de Alcántara nem sequer sabe de que lado está a fronteira, apesar de estar a apenas uma légua dela [1 légua francesa = ± 4 km]; não há aqui um único homem que fale português, e eu não consegui arranjar um guia que fosse à primeira aldeia; enviei ontem um reconhecimento até ao Rosmaninhal. Para lá chegar daqui, são precisas 8 horas; o melhor mapa é muito inexacto. Os habitantes das diversas aldeias que o meu destacamento atravessou receberam-no bem e disseram ter ouvido falar de um exército francês, mas ainda o supunham muito longe; também se tinha falado da guerra com os ingleses, mas nada mais sabiam acerca disso. São extremamente miseráveis e a sua região não oferece, praticamente, quaisquer recursos".


Se a corte portuguesa soubesse do estado destas tropas que começavam a passar a fronteira, talvez tivesse ordenado a defesa do país. Mas como se pensava na época, as tropas napoleónicas eram invencíveis...
 Seriam?

Cf. Jean-Andoche JUNOT (intr. António Ventura), Diário da I Invasão Francesa, Livros Horizonte, 2008 [tradução portuguesa do copiador da correspondência de Junot a Napoleão, entre 26 de Julho de 1806 e 7 de Junho de 1808, apreendido pelos portugueses na sequência da batalha do Vimeiro].


Ver também: Sargento-Ajudante José Luís ASSIS, Reunião do Corps D’Observation de La Gironde em Bayonne e Marcha Sobre a Espanha: Análise dos Relatos do Tenente-General Thiébault



Vincent BERNARD, Situation du 1er corps d’observation de la Gironde (Corps d’invasion du Portugal) 1er novembre 1807

Portugal entre a espada e a parede: venha o diabo e escolha...

A seguinte caricatura de Charles Williams é bem curiosa, em primeiro lugar porque demonstra que os ingleses conheciam melhor as intenções de Napoleão do que os próprios portugueses, uma vez que foi publicada a 10 de Novembro de 1807, ou seja, poucos dias antes das tropas de Junot entrarem em Portugal (em Lisboa a corte só soube que os franceses estavam invadido o país quando estes já se encontravam em Abrantes, no dia 24 de Novembro)... Em segundo lugar, porque retrata o que realmente se passará em Portugal: os franceses ocupam o país, enquanto os ingleses, aos poucos, vão abrindo o bloqueio que fizeram na costa, permitindo quer a importação, quer a exportação de bens e mercadorias. Ingleses e franceses sairão a lucrar desta história (Napoleão é que não gostará muito disto, segundo cartas reprovadoras que enviará a Junot). O povo português, como sempre, é que verdadeiramente se lixou...






Descrição: Um pequeno Napoleão, sentado numa pipa de vinho do Porto (envelhecido e genuíno), interpola John Bull:  “E agora, mestre John Bull, mais notícias para ti. Em breve estarás fora do Porto”.
Um português aproxima-se de John Bull, de chapéu na mão, dizendo: “Sou, como vê, um pobre português. Mas ele refere-se ao vinho do Porto; ele ficaria contente por trocá-lo aí pela sua grande bolsa de moedas – mas ela pertence-me, aqui entre nós”.  
John Bull, sentado e fumando um cachimbo, com um jarro de cerveja e uma enorme bolsa de moedas ao seu lado, replica: “Que se lixe ele e o seu Porto. Estou bem acomodado de Porto, e enquanto for abrindo os meus muros de madeira [i.e., o bloqueio instaurado pela esquadra britânica], e tiver um copo de uma cerveja feita na minha terra, as suas conquistas nunca me preocuparão”.

Ordens secretas de Napoleão a Junot: "uma peça curiosa para a história"

O seguinte excerto foi publicado pela esposa de Junot, num dos volumes da sua obra Mémoires de Madade la Duchesse d'Abrantès
Como escreveu ela a respeito deste documento,


 


Trata-se duma carta remetida pelo ministro da guerra francês a Junot, de acordo com as intenções de Napoleão para a ocupação de Portugal:








Segundo a mesma autora (p. 303), o próprio Napoleão escrevera pessoalmente uma carta a Junot, na qual ordenava que prendesse não só o príncipe regente, como algumas pessoas a ele ligadas.