segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Caricatura sobre a entrada das tropas invasoras em Lisboa




Bonaparte louco de raiva ou mais navios, colónias e comércio.
Caricatura de Isaac Cruikshank, publicada a 1 de Janeiro de 1808.


Apesar de se referir à chegada das tropas invasoras a Lisboa, o autor desta caricatura não desenhou o General Junot, mas sim o ex-ministro dos negócios estrangeiros de Napoleão, Talleyrand, que tinha sido demitido desse cargo (precisamente por se opor às políticas expansionistas de Napoleão, nomeadamente no que respeita à Península Ibérica) a 9 de Agosto de 1807. Porquê então a sua aparição aqui? Segundo Philippe Maillard (membro da associação Les Amis de Talleyrand e especialista em iconografia relativa este personagem), a quem fizemos esta pergunta, a presença desta figura deve-se mais à sua celebridade do que propriamente à sua participação na invasão aludida no desenho. De facto, nesta data, Talleyrand já tinha sido representado em cerca de trinta caricaturas inglesas (ver o título de algumas abaixo), enquanto que a primeira aparição de Junot numa caricatura seria em Setembro de 1808. 
Não deixa, no entanto, de ser irónica e até injusta esta representação, ainda mais que, segundo as próprias palavras de Talleyrand, o início da guerra peninsular foi le commencement de la fin [do Império francês, entenda-se]...

No lado direito da gravura, as esquadras portuguesa e inglesa abandonam Lisboa rumo ao Brasil, levando a bordo a família real portuguesa e uma corte de milhares de pessoas. De pé, Sir Sidney Smith, embaixador inglês responsável pela decisão de se mudar a corte para o Rio de Janeiro, fala através de uma trompeta, dirigindo-se a Napoleão: "Bon jour Monsieur, se quiser viajar para o Brasil eu terei o prazer de o conduzir, talvez queira provar um vinho da Madeira pelo caminho". Os marinheiros que conduzem a embarcação de Sir Smith também enviam outros galhardetes a Napoleão. No centro aparece Napoleão (Boney, diminutivo de Bonaparte e sinónimo de ossudo, alcunha inglesa para o imperador), bastante enfurecido por esta partida, agarrando Talleyrand pela peruca e dando-lhe um pontapé nas traseiras. Grita-lhe: "Pára-os, pára-os, assassino, porque é que não andaste mais depressa, seu preguiçoso cheio de esperanças!!! Agora os meus desejos estão desfeitos, a minha vingança desapontada, e estou farto de ti, monstro, vagabundo, vilão!!!". Desalinhado e tresloucado, Napoleão deixa cair o chapéu. Impulsionado pelo pontapé de Napoleão, Talleyrand está à beira de cair para o Tejo. No lado direito, ao longe, soldados franceses marcham para entrar dentro das muralhas de Lisboa, que estão com a porta elevadiça baixada. Do baluarte da muralha, um francês, bastante desapontado, exclama que os portugueses destruíram todas as armas. A cavalaria, por sua vez, corre a galope como que para tentar impedir que as embarcações partam, mas com a pressa que vai parece que acabará por não travar a tempo, afundando-se na água do Tejo...


Algumas caricaturas em que Talleyrand aparecia representado antes desta:




A verdadeira entrada dos protectores em Lisboa

Fonte: Gabinete de Estudos Olisiponenses
Gravura da época, atribuída a Luís António Xavier, 
com a legenda La veritable entrée des proteteurs en Lisbonne le 30 de Novembre de 1807.

Perante uma concentração de populares de guarda-chuva na mão e alguns militares (reconhecíveis pelo chapéu), vão entrando os franceses em Lisboa, de modo desordenado, em grupo dispersos e com as armas aos ombros. Vê-se uma mulher carregando uma espingarda, à frente dum soldado com muletas, enquanto outros soldados, mais atrás, vão-se sentando pelo chão...




Acúrsio das Neves descreve assim "a quantidade, a qualidade e o estado das tropas com que Junot entrou em Lisboa": "Consistiam em um Regimento de granadeiros, e no n.º 70 de linha, sem uma peça de artilharia; algumas outras tropas o seguiam de perto, mas em pequeno número, porque a rapidez das marchas e o mau tempo fazia com que as demais ficassem muito atrasadas. [...] Uma grande parte dos soldados eram imberbes, e tendo-se ajuntado uma diarreia a todas as incomodidades das marchas do tempo, do mau trato e dos caminhos, vinham todos, incluso os Generais, tão fatigados, rotos e desfigurados que mais excitavam a piedade do que o terror dos espectadores. Não se via entrar um Regimento, um batalhão ou outro algum corpo de tropa, sem que ficassem passando por horas inteiras os estropiados que, coxeando, o seguiam de longe; muitos ficavam deitados pelas estradas ou encostados às paredes, e os habitantes dos campos, menos compassivos que os das cidades, não deixavam, quando se lhes oferecia a ocasião, de ir aliviando a estes infelizes de uma vida tão pesada"... 


in José Accursio das NEVESHistória Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, e da Restauração deste Reino – Tomo I, 1809, Lisboa, pp. 212-214.

Entrada dos protectores em Portugal


Gravura da época, satirizando a entrada dos "protectores", vencidos e curvados de esforço. Alguns aparecem descalços,  e outro (bastante pequeno) é levado às costas por uma mulher, que também carrega a sua espingarda. A gravura é acompanhada pela seguinte quadra:

A entrada destes guerreiros
Foi com grande intrepidez;
descalços de pé e perna,
dois aqui, acolá três. 

Entrada de Junot em Lisboa

No dia 30 de Novembro, pelas 8 horas da manhã, Junot entra em Lisboa, apenas com a sua vanguarda, "constituída por um Regimento de Granadeiros e pelo 70º Regimento, e sem uma única peça de artilharia, mas era preciso salvar a cidade da desordem em que se encontrava" (JUNOT, Diário da I Invasão Francesa, p. 100).
Que confusão era esta? Segundo o General Foy, no segundo tomo da sua Histoire de la guerre de la péninsule,





A confusão, no entanto, se realmente ocorreu, dissipara-se de tal modo no dia seguinte que Junot, depois de falar nos receios de Hermann, diz que este "tinha olhado por um microscópio de aumento, [pois] nada do que ele previra aconteceu, e eu entrei na bela cidade de Lisboa hoje de manhã às 8 horas, à frente da minha vanguarda. Fui recebido com uma confiança que não esperava; todos supunham ver aquele que os salvara do destino de Copenhaga, pois era este todo o seu temor. Fui recebido por membros da Regência e fiz-me rodear de uma guarda portuguesa que tinha formado com diversos destacamentos que recolhera no caminho. Esta confiança da minha parte tinha-os deixado encantados; desloquei-me directamente ao porto; enviei para o forte de S. Julião o 2.º Batalhão do 70.º [Regimento]. O 1.º Batalhão seguirá amanhã para Cascais; são estes os dois pontos importantes do porto. Ficarei sozinho em Lisboa com o meu Regimento de Granadeiros se a primeira divisão não chegar amanhã, o que será possível por causa da horrorosa chuva que hoje tem caído.
Voltei do porto pelas ruas mais ricas; nenhuma loja fechou, e na rua dos Ourives [rua Áurea, vulgarmente chamada do Ouro] estava tudo exposto; a maneira como as minhas tropas entraram tranquilizou completamente o povo acerca do futuro" (JUNOT, Diário da I Invasão Francesa, p. 102).


Era caso para se dizer: Tudo como dantes, Quartel-General de Abrantes...

Acolhimento das tropas de Junot

Após se saber em Lisboa que Junot tinha chegado a Sacavém, o Marquês de Vagos, Comandante das armas da província da Estremadura, possivelmente avisado pela Regência, ordenava que se prestassem, na manhã de 30 de Novembro, as respectivas honras militares ao General Junot, e que alguns Regimentos portugueses cedessem as suas instalações para se aquartelarem as tropas francesas: 



O Senhor General Marquês de Vagos ordena que do 7.º Regimento de Cavalaria se achem amanhã, 30 do corrente, pelas 8 horas da manhã, 2 Esquadrões no cruzeiro de Arroios. Igualmente, um Batalhão de Granadeiros composto das 4 Companhias dos Regimentos 1.º [?], 13.º, 16.º, 19.º, às mesmas horas; estes dois corpos esperarão o Senhor Junot, Comandante em Chefe do Exército francês, e marcharão, depois de lhe ter passado e feito a devida continência na retaguarda da sua escolta. O Regimento de Infantaria n.º 16 evacuará sem perda de tempo o Quartel do Convento de S. Bento, aonde deverá aquartelar-se um Batalhão francês, e marchará a aquartelar-se no Quartel de Campo de Ourique. A Cavalaria da Polícia deverá patrulhar pelas ruas da cidade. O seu Ajudante Francisco de Melo se achará às mesmas horas no referido sítio para conduzir a Artilharia francesa pelo caminho de Benfica para a Torre de S. Julião da Barra, dizendo[?] ao General Junot, que não coube no tempo mandar ir um oficial de Artilharia por estar o Regimento em grande distância.

Deus Guarde a Vossa Senhoria.
Quartel-General da Junqueira, 29 de Novembro de 1807, pelas 11 horas da noite.


D. José Carcome Lobo [Brigadeiro Comandante da Divisao de Lisboa e Belém]


Marquês de Tancos [?]


Ajudante de ordens







Percurso de Junot em Portugal



Fonte: Google Earth


Percurso do General Junot e da vanguarda do seu Exército, acompanhado por uma Divisão espanhola comandada pelo General Carrafa, de Segura até Lisboa, onde chegam na manhã do dia 30 de Novembro. São cerca de 250 km, grande parte autênticos caminhos de cabras, que foram percorridos em 12 dias, à velocidade média de pouco mais de 20 km por dia. A maioria do exército invasor, no entanto, ficou para trás, acabando por chegar a Lisboa somente nos dias e semanas seguintes, em grupos esporádicos e relativamente pequenos.

Proclamação de Junot aos habitantes de Lisboa (29 de Novembro de 1807): o começo da protecção à francesa



O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe, Grã-Cruz da Ordem de Cristo neste Reino:

Habitantes de Lisboa:
O meu exército vai entrar na vossa cidade. Eu vinha salvar o vosso porto e o vosso Príncipe da influência maligna da Inglaterra. Mas este Príncipe, aliás respeitável pelas suas virtudes, deixou-se arrastar pelos conselheiros pérfidos de que era cercado, para ser por eles entregue aos seus inimigos; atreveram-se a assustá-lo quanto à sua segurança pessoal; os seus Vassalos não foram tidos em conta alguma, e os vossos interesses foram sacrificados à cobardia de uns poucos de cortesãos.
Moradores de Lisboa, vivei sossegados em vossas casas: não receeis coisa alguma do meu Exército, nem de mim; os nossos inimigos e os malvados somente devem temer-nos. O Grande Napoleão meu Amo envia-me para vos proteger, eu vos protegerei.




in Correio Braziliense, Junho de 1808, p. 8.

Continuação do percurso das tropas invasoras enquanto a corte partia para o Brasil

Depois de saber em Abrantes que toda a corte se preparava para partir de Lisboa, Junot ainda envia uma carta ao príncipe, esperando-o reter na medida do possível. Ao mesmo tempo, continua a avançar "a toda a velocidade", chegando a Santarém no dia 27, apesar de ter tido, segundo as suas palavras, "de marchar durante um dia inteiro dentro de água e, por vezes, até à cintura; as minhas tropas estavam estafadas; em Santarém, soube que estava tudo pronto para a partida". Já nada havia a fazer... 
Continua ele: "Encontrei então o senhor [José de Oliveira] Barreto e, embora tivesse adivinhado muito bem o objecto da sua missão, fingi acreditar nele e reenviei-o imediatamente para Lisboa, pelo Tejo, com o senhor Hermann1; era minha única intenção que se soubesse que eu estava muito perto da cidade e que isso pudesse determinar o povo a impedir a saída da esquadra. [...] O senhor Hermann não pôde ver o Príncipe nem o senhor d'Araújo; este último apenas lhe mandou dizer que estava tudo perdido; entretanto, cheguei no dia 29 às 10 horas [da noite] a Sacavém, a 2 léguas de Lisboa, e tive de dar ali repouso às minhas tropas; de resto, não queria chegar a Lisboa de noite, no meio da desordem que a minha entrada faria aumentar. [...] Eu tinha recebido durante o dia muita gente, na sua maioria franco-maçons, que muito me serviram para fazer voltar a tranquilidade ao povo. Também recebi, da parte da chamada Regência, o senhor Tenente-General D'Albuquerque; vali-me dele para mandar dar as ordens que julguei necessárias às tropas portuguesas, que foram todas utilizadas para manter a tranquilidade na cidade, pela qual as tornei responsáveis, e para remontar as peças de canhão que defendiam o porto e que tinham sido viradas e, algumas delas, encravadas.
Mandei no mesmo dia imprimir e afixar em todas as ruas de Lisboa uma proclamação que segue em anexo [...]. Os espíritos estavam muito agitados, e os habitantes receavam pilhagens; o senhor Hermann escreveu-me uma longa carta, na qual me pareceu que ele tinha recomendado a alma a Deus e me encarregava de recomendar à bondade de Vossa Majestade a mulher e os filhos" (JUNOT, Diário da I Invasão Francesa, p. 101). 

Na manhã desse mesmo dia 29 tinha havido um eclipse, segundo conta o General Foy2




Sete dias antes tinha havido ainda um pequeno tremor de terra, segundo anotou Eusébio Gomes...

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 1  Hermann, cônsul francês em Lisboa, encarregado de negócios da França em Portugal desde o abandono da embaixada por Junot, em 1805, será nomeado em Dezembro de presidente do Real Erário, com o título de administrador-geral das finanças (in arqnet).

 2 Este curioso pormenor pode ser confirmado através do site da NASA, onde se pode determinar que o eclipse teve o seu pico máximo, na zona de Lisboa, por volta das 11 horas da manhã.

Poesia popular relativa à entrada das tropas invasoras em Portugal



Quadras morais de conformidade para a presente opressão  que nos fazem os franceses e castelhanos, entrados neste Reino em 30 de Novembro de 1807, na retirada do Nosso Príncipe


É chegado, Portugal,
o tempo de padecer;
se te oprime a cruel França
verás melhor sorte a ter.


Portugal não está vencido,
foi entrada por destino.
O que será dos franceses
Está no segredo divino.


Não entraram por capricho
de quem tem maior poder.
Segredos da Providência
não se podem compreender.


Os decretos soberanos 
altamente concebidos,
faltaram ao Céu e à terra
por deixar de ser cumpridos.


Entraram sem resistência 
porque Deus lhe abriu as portas.
Portugal neste conflito
sentiu suas forças mortas.


Se Deus quis que eles entrassem,
cumprimos sua vontade,
até aquele certo dia 
de sua eterna bondade.


Com a peste, fome e guerra
Castiga Deus os pecados;
soframos pois com paciência
castigos por Deus mandados.


Aceitemos os castigos 
por virem de quem nos vêm;
porque Deus quanto ordena
se converte em nosso bem.


Respeitai povos[?] a França
que sobre vós já tem mando.
Não useis do valor vosso 
que Deus vos dirá o quando.


Cumpramos as leis de França,
carregue mais seu poder.
Com sofrimento humilde
poderemos mais vencer.


Um Reino santificado
por Cristo seu Rei eterno,
contra tal Rei nunca pode 
prevalecer o Inferno.


Conservemos sempre a fé
amando a Deus sobre tudo
e a Conceição de Maria
Venceremos todo o Mundo.


Quem for cristão verdadeiro
esteja firme na Lei
Esperando em Jesus Cristo
nosso Deus, e nosso Rei.


Não se percam os bons costumes
da Santa Igreja Romana,
adorando as naturezas 
de Cristo, divina e humana.


Portugal sempre ostentou 
a Lei de Cristo sem erro; 
por muitas vezes venceu
a pena de seu degredo.


Trémulas bandeiras ponham
nessas torres e castelos,
que a bandeira portuguesa 
terá triunfos mais belos.


Não vos importe os franceses 
nem o que podem fazer.
Ofereçamos a Deus tudo
para mais lhe merecer.


Não levantemos os olhos 
nem armas de rebeldia,
que só Deus da noite escura
faz o mais brilhante dia.


Não desmaieis portugueses,
na vossa triste aflição.
Rendei corações constritos,
sereis livres de opressão.


Para coisas de mais porte
tem Deus Portugal guardado
do seu eco e seu valor
será o Mundo espantado.


Se o nosso Príncipe deixar 
este Reino ao desamparo
nos braços de Jesus Cristo 
temos nós todo o amparo.


Assim Deus o permitiu
por Destino assinalado
o povo vai padecendo
Bragança correu seu fado.


Mostrou não querer que visse
Soberbas águias de França
e das próprias mãos tirar-lhe
Régio Ceptro de Bragança.


Fim


Temos vassalos de Cristo
desde a Batalha de Ourique.
Reino que tem um tal Rei
Nunca jamais vai a pique.




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Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 185, doc. 32].


Nota: Existe uma outra versão deste poema, com bastantes variantes e sob o título "As nossas afflicções" [sic], copiada dum manuscrito da época e transcrita na obra de Raul Brandão, El-Rei Junot, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, s.d., pp. 150-152.

Avisos tardios e últimas tentativas de resistência

Ao mesmo tempo que a corte se preparava para rumar para o Brasil teriam chegado a Lisboa algumas cartas dos governadores e generais das cidades por onde passavam as tropas ou aonde iam chegando as primeiras notícias da invasão. O primeiro documento que se transcreve de seguida é um ofício do General da Beira, Florêncio José Correia de Melo (futuro Governador da ilha da Madeira), avisando António de Araújo Azevedo (ministro que acabou por rumar para o Brasil) que os franceses estavam invadido o país, conforme o documento que recebera, por sua vez, de Joaquim Rebelo Trigueiros Martel, Coronel do Regimento de Milícias de Castelo Branco (abaixo também transcrito). Ambas as notícias, considerando-se que realmente chegaram a Lisboa antes do embarque da corte, vinham, no entanto, já bastante tarde... Percebe-se no entanto que tinha havido uma ordem datada de 14 de Novembro que visava alguma tentativa de resistência face à invasão. Rapidamente tudo mudaria...




No dia de hoje às três horas da tarde, tendo o desprazer de receber a notícia inclusa que me dá o Coronel do Regimento de Milícias de Castelo Branco, sem eu ter tido tempo de me prevenir a tomar as disposições necessárias para repelir a invasão dos inimigos, pois que recebendo os avisos de V.Ex.ª em 14 do corrente, e sendo necessário distribuir as ordens precisas depois, bem se conhece a impossibilidade que habia de juntar forças nos portos [=passagens] precisos para estorvar toda a agressão dos contrários; nestas circunstâncias só me resta o expediente de fazer marchar logo o Regimento de Infantaria n.º 11, que se acha neste Quartel, para ir com alguma tropa miliciana e com as ordenanças que se ponham [?] juntar a alguma posição vantajosa sobre a serra da Estrela se houver tempo para isso; quando não, irei fazer-me forte sobre a ponte do Murrela[?] indicada no referido aviso de V.Ex.ª; e ali esperarei as ordens ulteriores sobre o partido de que verei tomar.
Deus guarde a V.Ex.ª.
Viseu, 24 de Novembro de 1807


Florêncio José Correia de Melo
...


Por um soldado do Regimento do meu comando recebo hoje, 19 do corrente, às quatro horas da tarde, notícia que ontem de tarde chegara uma partida de Cavalaria espanhola a Zebreira com o fim [?] de fazer quartéis para os franceses naquela vila, Rosmaninhal e Alcafozes; e como ignoro a autoridade daquela ordem e o modo com que me hei de comportar, e o número de tropa francesa que vem, rogo a V.Ex.ª me determine o que devo obrar a este respeito.

Deus guarde a V.Ex.ª
Idanha-a-Nova, 19 de Novembro de 1807.


Joaquim Rebelo Trigueiros Martel







Primeiras determinações da Regência instituída pelo Príncipe Regente

Os militares foram os primeiros a sentirem os efeitos da invasão, como se pode ver através  de duas das primeiras determinações do governo da Regência instituída de acordo com o decreto de 26 de Novembro de 1807:

AVISO PARA O TENENTE GENERAL 
MARTINHO DE SOUSA DE ALBUQUERQUE E ALTE


Os Governadores deste Reino ordenam que V. Ex.ª haja de partir sem perda de tempo, acompanhado do brigadeiro Francisco de Borja Garção Stockler, ao encontro do comandante do exército francês, o General Junot, para o cumprimentar da parte dos meus governadores pela sua chegada às imediações desta capital; segurando V. Ex.ª da sua parte que não se poupará a diligência alguma para que o exército francês, que vem
auxiliar a capital, encontre o melhor acolhimento entre todos os seus habitantes, e a possível comodidade nos seus aquartelamentos, para cuja prontidão se faz preciso que o dito general lhe queira dar, assim uma lista do seu estado-maior, como uma declaração da força do seu exército. Recomendam os mesmos governadores também a V. Ex.ª que examine das patrulhas, que se acham espalhadas pela estrada, a direcção que traz o exército, para não se desencontrarem dele.
Deus guarde a V. Ex.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 27 de Novembro de 1807.


João António Salter de Mendonça





AVISO PARA O BRIGADEIRO FRANCISCO DE BORJA GARÇÃO STOCKLER


Os Governadores deste Reino ordenam que V. Ex.ª vá sem perda de tempo a casa do Tenente General Martinho de Sousa de Albuquerque e Alte, e executará as ordens que ele lhe der.
Deus guarde a V. Ex.ª.
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 27 de Novembro de 1807.


João António Salter de Mendonça