segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

A escassez de géneros provocada pela entrada das tropas invasoras e pelo bloqueio naval inglês


Conta Acúrsio das Neves, referindo-se ao primeiro mês da ocupação intrusa, que "ao sentimento das calamidades presentes, ajuntavam-se as ideias de um futuro espantoso. Os víveres, e especialmente o pão, escasseavam diariamente em Lisboa, e calculava-se que antes de dois ou três meses haveria uma falta absoluta deste último género, de que nenhum povo da terra faz maior uso que o de Portugal. Que seria então de uma cidade como Lisboa, povoada de duzentos e cinquenta mil habitantes?
Tanto se receou esta falta que, ainda antes de entrarem os franceses em Lisboa, tinha sido proibida por um edital do senado a factura de todo o género de bolos e biscoitos [Edital do senado da Câmara de 16 de Novembro de 1807]. Esperava-se, como consequência necessária do bloqueio do Tejo; e Junot tanto foi com estas ideias que, para prevenir a subsistência do seu exército, mandou vir trigo de Espanha, e fez também diligências para virem algumas carnes. Taranco solicitou iguais providências a favor da província de Entre-Douro e Minho" [José Accursio das NEVES, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, e da Restauração deste Reino – Tomo I, 1809, Lisboa, pp. 263-264].

De facto, logo no primeiro dia em que chegou a Lisboa, Junot escrevera a Napoleão que, "neste momento, o grande embaraço e o que mais impressiona a opinião pública são os meios de subsistência. Suplico a Vossa Majestade que se digne pensar nisto por um momento; só de França podemos receber trigo, e os portos vão ser bloqueados [pelos ingleses] com exactidão; já falta a carne em Lisboa, e só a Galiza nos pode abastecer. Vou escrever para a Espanha a este respeito, e peço a Vossa Majestade que para lá envie as suas ordens" [Jean-Andoche JUNOT, "Carta n.º 67 (30 de Novembro de 1807)", in Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, p. 103]. No dia 7 de Dezembro, Junot voltava a comentar ao Imperador que "um dos assuntos que mais nos embaraçam é a administração dos mantimentos. Não encontramos nenhum empreiteiro que a queira fazer sem pedir preços exorbitantes, e por meio da administração ordinária há grandes dificuldades num país onde são poucos os recursos locais" [id., p. 115]. No dia 16, Junot volta a abordar o mesmo problema. Finalmente, e só para nos limitarmos ao mês de Dezembro, depois de ter indicado brevemente no dia 2 que os russos privavam os franceses de 8.000 rações diárias, a 21 do mesmo mês escreve Junot que "a esquadra russa, que continua em Lisboa, consome-nos cerca de 10.000 rações, o que muito nos prejudica na penúria de mantimentos em que nos encontramos" [id., p. 120].

As preocupações de Junot chegaram à Regência através do Comissário do Governo francês, Mr. Hermann, que representou aos ainda chamados Governadores do Reino a necessidade de se proverem meios e providências para a subsistência das tropas francesas. Cumpridores como sempre do que os invasores lhes rogavam, mandaram os ditos Governadores publicar os seguintes editais:


Edital 1.º

Il.mo e Ex.mo Sr. 

Os Governadores deste Reino determinam que o Conselho da Fazenda passe sem perda de tempo as ordens necessárias para que os lavradores e negociantes de grãos que forem devedores à Fazenda Real possam pagar também em grãos metade da sua dívida, se assim lhes convier, remetendo-se o pagamento que assim for feito à ordem da Junta de Munições de Boca para o Exército, pelos preços correntes. O que V. Ex.ª fará presente no mesmo Conselho para que assim se execute.
Deus Guarde a V.Ex.ª
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 21 de Dezembro de 1807.

João António Salter de Mendonça
Senhor Francisco António [sicHermann 

E para assim constar se afixou o presente edital.
Lisboa, 22 de Dezembro de 1807.

Francisco José de Horta Machado
José Roberto Vidal da Gama



Edital 2.º


Il.mo e Ex.mo Sr. 



Os Governadores deste Reino determinam que o Conselho da Fazenda passe sem perda de tempo as ordens necessárias para que, pagos os filhos da folha dos Almoxarifados da Coroa da metade das suas tenças em espécie, sendo paga a outra metade a dinheiro ou no ano seguinte em espécie, remetam a metade dos grãos que ficarem à disposição da Junta das Munições de Boca para o Exército pelos preços correntes e as outras metades se venderá ao povo. O que V. Ex.ª fará presente no mesmo Conselho para que assim se execute.
Deus Guarde a V.Ex.ª
Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 21 de Dezembro de 1807.

E para assim constar se afixou o presente edital.
Lisboa, 22 de Dezembro de 1807.

Francisco José de Horta Machado
José Roberto Vidal da Gama




Licenciamento das tropas portuguesas

Neste mesmo dia 22 de Dezembro, e sob o pretexto da falta de mão da obra para agricultura, Junot começou a licenciar o exército português. Porém, talvez porque esperava melhores instruções de Napoleão, Junot não tornou público o decreto promulgado a este respeito, senão somente a seguinte nota:




*

A cidade de Abrantes foi onde se começou a sentir fortemente a escassez de víveres, o que não é de estranhar, pois foi o ponto de reunião de muitas tropas francesas vindas da fronteira espanhola, que aí tomaram as primeiras refeições inteiras pela primeira vez em muitas semanas. Os vereadores da Câmara Municipal dessa cidade, que já se tinham queixado no dia 9 de Dezembro sobre a escassez que já se começava a sentir, voltam a fazê-lo no dia 26, remetendo à Regência (muito provavelmente à atenção do Conde de Sampaio) o seguinte ofício:






Senhor

Os fiéis vassalos de Abrantes têm representado a V.ª Alteza na súplica de nove do corrente mês o quanto são aflitos e oprimidos pela afluência e exigências das tropas francesas e espanholas que têm transitado e residido nesta vila e seu termo desde o dia 23 de Novembro passado, e a cujas requisições temos satisfeito com quanto tínhamos, fazendo dispêndios enormes e superiores às nossas forças; suplicando em especial a intercessão do Ex.mo General Junot, a fim de não transitarem por aqui mais tropas e ser este Povo aliviado das que residem nele.
Ao presente estão esgotados os celeiros das igrejas e dos particulares, e apenas resta uma pequena porção de pão, que não chega para a sustentação deste povo pelo tempo de dois meses; e outra separada quantidade para a tropa, a qual veio pelas requisições feitas às vilas de ao redor, e apenas chegaria para trinta ou quarenta dias; e agora somente para quinze ou vinte por ter chegado anteontem[?] um batalhão do Regimento 2 dos suíços, que estava em Santarém. Há pouco vinho, ainda menos gados vacum, e nada de entaipa[?], cujas relações já foram remetidas a V.ª Alteza em ofício do Sr. Corregedor de Tomar.
Nestas circunstâncias, este povo e a mesma tropa estamos imediatos à desgraça e fome horrível; e portanto suplicamos a V.ª Alteza as providências tão indispensáveis; e visto que as vilas circunvizinhas são inexoráveis às nossas requisições, segundo as respostas que recebemos delas, é necessária [uma] ordem superior para que nas vilas do Alentejo e Beira Baixa cumpram com as nossas requisições dos géneros de primeira necessidade. Rogamos mais a V.ª Alteza a faculdade de retermos aqui os dinheiros públicos das décimas, sisas, subsídios, bulas, etc., e destes podermos tirar os necessários para suprir as requisições da mesma tropa.
Abrantes, em Mesa da Vereação de 26 de Dezembro de 1807.

O Juiz pela Ordem[?], André[?] de Moura Castanho
O Vereador Francisco José de Paiva
O Procurador do Concelho João Ruiz[?] Albardão
O Militar João da Costa e Menna Campos 
O Militar Luís Francisco de Matos 


[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 3, doc. 3, fls. 2-4]


Da resposta a este só se conhece a seguinte nota não datada:

Responda-se à Câmara de Abrantes: que a Regência fará dar prontas providências quanto às subsistências da tropa linha[?] que ali se acha aquartelada; e quanto à faculdade que pedem para poderem ali reter os dinheiros das décimas, sisas, subsídios, bulas, etc, só lhes concede que possam simplesmente reter os sobejos das sisas


[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 3, doc. 3, fl. 1]


Finalmente, e segundo Domingos Alves Branco Muniz Barreto [na sua Memoria dos Successos acontecidos na cidade de Lisboa, fl. 43], "como se tinham espalhado [por Lisboa] os clamores, principalmente dos lavradores da província da Beira, que pela passagem que por ela fez o Exército francês não lhes ficou gado para lavrar as terras, nem semente para lançar nelas, querendo por isso o General em Chefe providenciar a futura sementeira, escreveu ao Governador da Regência o que se manifesta do seguinte edital":


Decreto de Napoleão referente a uma contribuição extraordinária de guerra imposta a Portugal (23 de Dezembro de 1807)




No nosso Palácio Real de Milão, aos 23 de Dezembro de 1807. 

Napoleão, Imperador dos Franceses, Rei de Itália, Protector da Confederação do Reno, havemos decretado e decretamos o seguinte:

Título 1

 Art. I. Uma contribuição extraordinária de guerra de cem milhões de francos será imposta sobre o Reino de Portugal, para servir de resgate de todas as propriedades, debaixo de quaisquer denominações, que possam ser pertencentes a particulares. 
Art. II. Esta contribuição será repartida por províncias e cidades, segundo as posses de cada uma, pelos cuidados do General em Chefe do nosso exército; e tomar-se-ão as medidas necessárias para a sua pronta arrecadação.
Art. III. Todos os bens pertencentes à Rainha de Portugal, ao Príncipe Regente e aos Príncipes que desfrutam apanágios, serão sequestrados. 
Art. IV. Todos os bens dos fidalgos que acompanharam o Príncipe quando abandonou o país, que não se tiverem recolhido ao reino até ao dia 1 de Fevereiro de 1808, serão igualmente sequestrados.

[...]

Napoleão 



[Fonte: Joaquim José Pereira de Freitas, Biblioteca Histórica, Política e Diplomática da Nação Portuguesa - Tomo 1, Londres, Casa de Sustenance e Strecht, 1830, pp. 82-95].

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Nota: A totalidade deste decreto será recebida por Junot no dia 9 de Janeiro de 1808Por sua vez, os portugueses só conhecerão este fatídico excerto (com ligeiras alterações) quando Junot o decide publicar junto com a série de editais que fará publicar no dia 1 de Fevereiro de 1808, nomeadamente no decreto sobre a contribuição extraordinária. Posteriormente, e em consequência da deputação portuguesa enviada a Bayonne, esta indemnização será reduzida para 50 milhões de francos.


domingo, 3 de janeiro de 2010

Pastoral do Bispo Inquisidor favorável aos franceses (22 de Dezembro de 1807)





No "dia 22 de Dezembro afixou-se nas igrejas de Lisboa uma Carta Pastoral do Bispo Inquisidor Geral, que sendo substanciada com o mesmo espírito ou como um eco da que expediu o Cardeal Patriarca, foi ainda mais mal recebida pelos habitantes da leal cidade de Lisboa, porque sobre a primeira ainda alguns diziam que o General Mr. Junot tinha iludido o velho Patriarca para que se esquecesse da constância dos Apóstolos, mas para a segunda não tinha precedido persuasão alguma, pois que até a visita que o Bispo Inquisidor fez ao General em Chefe foi em dia que ele não lhe pôde falar, e a segunda que repetiu entrou na chusma com outros que tinham esperado na sala vaga duas horas" [Domingos Alves Branco Muniz Barreto, Memoria dos Successos acontecidos na cidade de Lisboa, fls. 40-40v]


D. José Maria de Melo (1756-1818), filho de Francisco de Melo (Monteiro mor do Reino) e tio materno do futuro Marquês de Olhão, confessor da rainha D. Maria I e por esta nomeado de Bispo do Algarve em 1787, abandonara este último cargo apenas um ano depois, por ter sido elevado pela mesma monarca a Inquisidor Geral do Tribunal do Santo Ofício, instituição que tinha perdido muita da sua força durante o governo de Sebastião José de Carvalho e Melo. À frente dos destinos da diocese algarvia sucedeu-lhe D. Gomes de Avelar, mas não obstante, como se pode ver na seguinte Pastoral, D. José Francisco de Melo continuava a designar-se como “bispo titular do Algarve”. 
Para que se perceba outro dos motivos pelos quais esta Pastoral foi também mal recebida, é necessário compreender que o Bispo Inquisidor era pessoa muito mal afamada, sobretudo por correr a notícia que tinha sido ele o principal responsável pelo agravamento da saúde mental da rainha D. Maria I (ao ponto de lhe terem ordenado para que nunca mais se aproximasse da corte), como se refere no seguinte trecho: 

"Dominada a rainha a cada instante por escrúpulos religiosos, só deveu a temporária conservação do juízo aos cuidados verdadeiramente paternais do arcebispo de Tessalónica, seu confessor, homem probo, e, conquanto frade, mais votado ao soberano e à pátria do que aos interesses da superstição. A morte deste venerando prelado privou a desditosa rainha da sua direcção espiritual, sempre prudente e consoladora, despertando-se-lhe de novo com mais energia do que dantes, os vãos terrores que ele sempre com bom êxito combatera. Nestas circunstâncias, foi pela influência de muitos grandes do reino escolhido para substituir aquele digno confessor, D. José Maria de Melo, bispo do Algarve, que, além de fanático e ambicioso, sendo ademais o mais próximo parente de muitas famílias ligadas com as de Aveiro, Távora e Atouguia, que haviam subido ao cadafalso como cúmplices no atentado contra a vida d'el-rei D. José, tinha a peito fazer reabilitar a memória daqueles fidalgos, cuja punição os parentes acoimavam de injusta; e sobretudo obter a restituição de seus imensos bens, confiscados para a coroa. Com estas vistas, facilmente conseguiu perturbar a consciência de sua real penitente, a quem intimidou com as penas eternas, se não reparasse as pretendidas injustiças de seu pai. Desde então nunca mais a infeliz senhora teve tranquillidade de espírito, porque havendo consultado sobre este importante objecto os magistrados mais respeitáveis, e cujas luzes e inteireza lhe eram conhecidas, estes lhe declararam, da maneira mais formal e solene, que o acto que de sua majestade se exigia, era impraticável, injusto e ilegal, e mancharia a memória de um pai e soberano que só tinha punido grandes criminosos, cuja culpabilidade havia sido levada à evidência. Colocada na cruel alternativa — ou de trair os seus deveres como rainha, ou de desobedecer ao que se lhe anunciava como vontades do céu —, entregou-se esta virtuosa princesa à mais terrível desesperação; julgou-se condenada às penas eternas, e a cada instante parecia-lhe ver o inferno a abrir-se, como para a tragar. Ao mesmo tempo, contava com o seu triunfo aquele detestável fanático, filiado na Companhia de Jesus — digno émulo de Torquemada —; e sendo pouco depois nomeado Inquisidor Geral, tratou de mandar fazer imensos cárceres, que prestes esperava encher de vítimas que deviam expiar em autos-de-fé o crime de haver cultivado a razão e combatido as doutrinas da superstição, assim como o poder usurpado pelo sacerdócio: estava pois Portugal condenado a ver de novo acender as fogueiras da atroz inquisição, e a ser entregue à mercê de Jesuítas disfarçados, se a rainha houvera conservado um vislumbre de razão por alguns meses mais. Já no principio do seu reinado tinham aparecido num auto-de-fé a flor dos literatos e sábios portugueses, entre outros o celebre matemático José Anastácio da Cunha; e conquanto então nenhum fosse condenado à morte, era contudo já muito fazer reviver tão horrível espectáculo, e ser restituído aos ferozes Domínicos o poder de abafar as vozes da razão humana e de perseguir quem quer que da sua infalibilidade ousasse duvidar. Porém, o Inquisidor Geral, alvo da execração pública, tido e havido geralmente pelo assassino da rainha, precipitando-se em seus horríveis planos, teve ordem para nunca mais aparecer na corte; e só tempos depois — 1808 — é que tornou a figurar na cena politica, fazendo parte da chamada deputação da nobreza, que foi a França pedir um rei a Bonaparte, postergando os inauferíveis direitos da casa de Bragança, refugiada no Brasil" [S. L.: História de el-rei D. João VI, Primeiro rei constitucional de Portugal e do Brazil, em que se referem os principaes actos e occorrencias do seu governo, bem como algumas particularidades da sua vida privada, Lisboa, Typographia Universal, 1866, pp. 15-17].



Vejamos agora a sua pastoral de 22 de Dezembro de 1807 (que repete vários parágrafos da já citada Pastoral do Cardeal Patriarca), e note-se que, anos antes, este mesmo Bispo Inquisidor “queria que o episcopado português excomungasse em massa a França revolucionária” [Oliveira Martins, História de Portugal – Tomo II, Lisboa, Livraria Bertrand, 1882 (3.ª ed.), p. 228].


Pastoral do Bispo Inquisidor

D. José Maria de Melo, Bispo titular do Algarve, Inquisidor Geral neste Reino e seus domínios, do Conselho de Sua Majestade e seu confessor, etc. 

A todos os fiéis da Santa Igreja Lusitana, a cuja notícia vier esta nossa carta, saúde e paz, e a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nosso Salvador e Nosso Deus.

O lugar de Inquisidor Geral nestes Reinos, que sem méritos ocupamos; o carácter e ordem episcopal de que nos achamos revestidos; o zelo exemplar com que o eminentíssimo e por tantos títulos mui venerável cardeal patriarca acaba de promover tão eficazmente com a sua moderna carta pastoral o sossego, a paz, a união cristã particular e pública, sempre necessária e muito mais nas circunstâncias presentes: Tudo isto nos faz lembrar que também da nossa parte devíamos concorrer para um fim tão importante e tão indispensavelmente necessário, não só para o bem e felicidade temporal, mas também para a eterna, que é o que mais importa, dirigindo-nos aos fiéis todos da Santa Igreja Lusitana, e exortando-os também nós.
Aos desta cidade [Lisboa] e patriarcado nada temos que dizer senão rogar-lhes muito que atendam às zelosas vozes do seu tão venerável pai e pastor, como devemos sempre e em tudo, porém muito mais em matéria tão importante para o bem de todos, para o bem de cada um, para a felicidade temporal e para a felicidade eterna.
Ao resto dos fiéis desta Lusitana Igreja, que outra coisa também lhes poderemos lembrar mais própria do que o que às suas ovelhas ensina e encomenda aquele tão insigne prelado? Que bem sabem pela própria experiência a situação em que nos achamos; mas também que não ignoram o quanto a divina clemência no meio de tantas tribulações nos favorece: benditos sejam sempre os seus altíssimos juízos!

Que é muito necessário ser fiel aos imutáveis decretos da sua divina providência, e para o ser devemos primeiro que tudo, com coração contrito e humilhado, agradecer-lhe tantos e tão contínuos benefícios, que da sua liberal  mão temos recebido, sendo um deles a boa ordem e quietação com que neste reino tem sido recebido um grande exército, o qual, vindo em nosso socorro, nos dá bem fundadas esperanças de felicidade; que este benefício igualmente o devemos à actividade e boa direcção do General em Chefe que o comanda , cujas virtudes são por ele há muito conhecidas; que não temam, que vivam seguros em suas casas e fora delas; que se lembrem que este exército é de Sua Majestade o Imperador dos Franceses e Rei de Itália, Napoleão o Grande, que Deus tem destinado para amparar e proteger a religião e fazer a felicidade dos povos; que o sabem, que o mundo todo o sabe; que confiem com segurança inalterável neste homem prodigioso, desconhecido de todos os séculos; que ele derramará sobre nós a felicidade da paz, se respeitarem as suas determinações, e se se amarem todos mutuamente, nacionais e estrangeiros, com fraterna caridade; que deste modo a religião e os seus ministros serão sempre respeitados; não serão violadas as clausuras das esposas do Senhor; o povo todo será feliz, merecendo tão alta protecção; que o façam assim para cumprirem fielmente com o que Nosso Salvador Jesus Cristo nos recomenda; que vivam sujeitos aos que os governam, não só pelo respeito que se lhes deve, mas porque a própria consciência os obriga.
Eis aqui o que tantas vezes respeitável pastor desta cidade e diocese ensina e encomenda às suas ovelhas, para as unir em caridade cristã, para conseguirem o sossego e  a paz que todos necessitamos nas presentes circunstâncias. Eis aqui o que nós, querendo concorrer como tanto devemos para os mesmos fins, lembramos ao resto dos fiéis desta Igreja Lusitana.
E porquanto esta matéria é uma das de maior importância, mesmo para a conservação da pureza da nossa santa fé e religião, pois tanto concorrerá sempre para ela o sossego, a paz, a união particular e pública; não contentes nós com esta diligência que nós mesmos fazemos nesta nossa carta, encarregamos mui encarecidamente aos deputados do Conselho Geral, aos inquisidores e mais ministros do Santo Ofício, que com todo o desvelo, aplicação e eficácia, concorram com a admoestação, com a exortação, com a persuasão, assim como concorrem sem dúvida e hão de concorrer sempre com o exemplo, para que o mesmo sossego, paz e união não tenham quebra ou míngua alguma, mas antes aumento sólido e constante.
Encomendamos também, e muito especialmente a todos os [clérigos] regulares deste reino em geral e a cada um deles em particular, que além do exemplo que sem dúvida hão de dar, como aqueles que são não só ministros de um Deus de paz e lhe oferecem quotidianamente o sacrifício de propiciação e pacificação, mas seguidores por instituto e profissão da perfeição evangélica, se empenhem em não perder ocasião de lembrar aos fiéis o quanto é da sua obrigação como tais, o quanto lhes é proveitoso, o quanto lhes é necessário esse sossego, essa paz, essa união, em recomendar a qual não poderá haver nunca demasia. 
Na misericórdia infinita do nosso bom Deus esperamos que se digne de abençoar todas estas diligências, e então sem dúvida hão de produzir o bom efeito a que se encaminham.
E para que esta nossa carta chegue à notícia de todos, as mesas das inquisições deste reino a façam publicar e afixar nas igrejas dos seus distritos, na forma do costume. 
Dada em Lisboa, sob nosso sinal e selo do Conselho Geral do Santo Ofício, aos 22 dias do mês de Dezembro de 1807.
Manuel Correia da Fonseca, secretário do mesmo Conselho Geral, a fiz escrever e subscrevi.

José, Bispo Inquisidor Geral

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Fonte: 

- Domingos Alves Branco Muniz Barreto, Memoria dos Successos acontecidos na cidade de Lisboa, fls. 41-42v.

Carta de Napoleão a Junot (20 de Dezembro de 1807)

Embora se tenham referido já várias vezes algumas das dificuldades de Junot em governar Portugal, o maior obstáculo era talvez não só a falta de instruções de Napoleão mas, sobretudo, a grande demora em recebê-las. Com a pressa em mobilizar o Corpo de Observação da Gironda e expedi-lo para Portugal o mais rápido possível, a fim de aprisionar o príncipe regente e a frota naval portuguesa (o que aparentemente considerava como dados adquiridos), Napoleão esquecera-se de dizer a Junot o que fazer em caso de que tais objectivos não fossem cumpridos. Em várias cartas ao Imperador, Junot queixa-se precisamente disso, e não é por acaso que, aparte duma ou doutra extravagância, o General em Chefe deixou a Regência instituída por D. João governando, aproveitando-se dela para fazer cumprir as suas ordens. Junot sabia que melhores instruções por parte do Imperador poderiam tardar algumas semanas, nada restando-lhe a fazer senão ficar à espera. 
De facto, o Imperador encontrava-se em Milão quando recebeu as primeiras cartas de Junot desde que este entrara em Lisboa (algumas delas já aqui parcialmente transcritas). No dia 17 de Dezembro, numa carta ao seu irmão mais velho, José Bonaparte (então rei de Nápoles e futuramente de Espanha), Napoleão afirmava que as últimas notícias que tinha recebido de Portugal remontavam a 28 de Novembro (ou seja, dois dias antes de Junot alcançar Lisboa), embora no final da mesma carta adiantasse que:
 .



É bem possível que este post scriptum tivesse sido escrito logo que Napoleão recebeu as ditas cartas de Junot. É interessante notar-se que foi neste mesmo dia que recebeu estas notícas que Napoleão publicou o decreto de Milão [ver o texto original ou uma tradução portuguesa], o qual reforçava e agravava o decreto de Berlim, publicado um ano antes. O facto não é de estranhar, pois até à chegada de Junot, os portos portugueses eram praticamente os únicos portos continentais europeus onde as mercadorias inglesas eram desembarcadas sem embaraço. Com a chegada das tropas franco-espanholas à costa portuguesa, finalmente se podia agora cumprir rigorosamente o bloqueio continental. Isto em teoria, pois como já indicámos, grande parte da costa portuguesa encontrava-se nesta altura sem forças francesas ou espanholas a vigiá-la (e assim continuaria durante mais algum tempo).
Será somente no dia 20 de Dezembro que o Imperador escreve a sua resposta ao General em Chefe do Corpo de Observação da Gironda. Este último ainda tinha muito que esperar, pois com aproximadamente dois mil quilómetros de distância entre Lisboa e Milão e cerca de 20 dias para a correspondência alcançar o seu destinatário, a seguinte carta só chegaria a Lisboa no dia 8 de Janeiro de 1808.










Resumindo, Napoleão garantia a Junot que mais tropas seriam enviadas para Portugal, sendo por isso e, antes de mais, necessário desfazer-se do exército português, desarmando-o e licenciando quem o desejasse. Não obstante, seria também necessário afastar quatro bons regimentos do país, mandando-os para Bayonne. Este afastamento também devia ser aplicado aos dois parentes do príncipe regente que Junot tinha referido encontrarem-se em Lisboa, bem como cerca de sessenta pessoas de consideração ligadas à corte ou aos ingleses. Napoleão entendia que a Casa de Bragança tinha acabado de reinar em Portugal, mas para isso era necessário remover qualquer tipo de interferência que pudesse embaraçar os seus planos. Também era necessário cumprir-se o decreto de Milão (na carta referido como o "decreto de 17 de Dezembro") em Portugal. 
Outro aspecto interessante desta carta é a referência ao General Dupont, que se encontrava em Salamanca, o seu Quartel-General em Vitória, e a sua primeira Divisão em Badajoz. Dupont era o General em Chefe do nomeado Segundo Corpo de Observação da Gironda, força esta que ia entrando em Espanha sob o pretexto do previsto no artigo n.º 6 da Convenção anexa ao Tratado de Fontainebleau


A porta da Espanha estava aberta para a entrada das tropas francesas, e não tardaria muito para que os espanhóis se apercebessem da ratoeira que Napoleão lhes estava aprontando...




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Fonte das cartas: 

- Carta de Napoleão a José Bonaparte (17 Dez. 1807): Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI,  Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 234-235 (n.º 13402).

- Carta de Napoleão a Junot (20 Dez. 1807): Correspondance de Napoléon Ier – Tome XVI,  Paris, Imprimerie Impériale, 1864, pp. 242 - 244 (n.º 13406).

sábado, 2 de janeiro de 2010

Decretos de Junot relativos à declaração, apreensão e venda dos bens e propriedades inglesas


No dia 4 de Dezembro, Junot tinha decretado a apreensão de todos os bens e propriedades inglesas. Tal medida, no entanto, não era de fácil execução, como se deixa transparecer através da série de decretos que a seguir se inserem (todos eles publicados no mesmo mês).
Na verdade, no último destes decretos, o próprio Junot chega ao cúmulo de, sob o pretexto da falta de víveres, contradizer as instruções de Napoleão e permitir o desembarque de mercadorias inglesas até aí embargadas em embarcações ancoradas no porto de Lisboa...



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[Fonte: Collecçaõ de Decretos, Editaes, &c. &c. &c., Lisboa, Typografia Rollandiana, 1808]

Carta de Junot à Regência (15 de Dezembro de 1807)



Depois de vermos como as tropas espanholas foram ocupando o norte e sul do país, regressemos a Lisboa. A meados de Dezembro, e de acordo com Domingos Alves Branco Muniz Barreto, "era vulgar em Lisboa e corria como um facto que o General em Chefe tinha recebido uma representação anónima, na qual se lhe requeria certas providências para o bem do Estado, e até insinuando-lhe os meios com que se deviam dar. Ou fosse por este motivo, ou outro qualquer, é certo que Mr. Junot fez expedir uma extensa carta ao Governo da Regência, a qual é do teor seguinte:


O Governador de Paris, Primeiro Ajudante de Campo de Sua Majestade o Imperador e Rei, General em Chefe


Aos Senhores do Conselho de Regência




Senhores:


De todas as obrigações que o Imperador meu Amo me encarregou, a de melhorar a sorte dos portugueses ocupam-me bastantemente. Para o conseguir necessito de ser socorrido por pessoas de probidade e, particularmente, pelas autoridades do país. Necessito igualmente que as minhas intenções sejam conhecidas.
É essencialmente necessário tranquilizar o público do temor em que está pela falta de víveres. Há muito tempo que este objecto tem ocupado o meu cuidado. A carta inclusa o prova.
Eu me tenho prevenido de todas as coisas e os meus cuidados não serão infrutíferos. Porém, os mesmos portugueses devem-me ajudar. 
Participei ao comércio e a todos os especuladores que eu concederei uma inteira protecção a todos os que fizerem entrar víveres em Lisboa e noutros portos de Portugal, dos quais a venda será livre e segura. 
A suspensão dos trabalhos e a estagnação do comércio trouxeram a ociosidade a muita gente; e da ociosidade nasce a desordem. Tenho ordenado a Mr. Hermann que os oficiais artífices da marinha e os demais que se empregavam nas oficinas da artilharia sejam pagos todas as segundas-feiras, em proporção dos trabalhos que fizerem.
Tenho igualmente ordenado a Mr. Hermann de vos pedir uma relação das obras começadas por ordem do Príncipe do Brasil [D. João], a fim de conhecer se devem ser continuadas; ou se os oficiais que nela se ocupam deveram ser empregados em trabalhos mais úteis e mais necessários.
Anunciai ao povo estas disposições; obrigai com boas maneiras aos cidadãos que tinham principiado obras para que as continuem, ao menos em parte. Todos nas circunstâncias actuais devem prestar-se ao bem público.
Não sofrais que intrigantes corrompam a opinião pública, intimidando ao povo e aos sacerdotes com o pretexto de religião. O Exército francês, o seu chefe, a nação francesa e o seu Imperador professam a Religião Católica e Apostólica Romana. Os que procuram semear a desordem e a rebelião são unicamente os emissários do exótico Governo inglês.
Mandai fazer uma lista dos oficiais existentes em Lisboa pelas suas diferentes profissões. Que se dêm passaportes àqueles que não são de Lisboa, a fim de que passem a trabalhar nas suas províncias; e em suas pátrias os que forem estrangeiros. O resto que ficar, sendo em menor número, sendo fácil ocupá-los, igualmente serão felizes.
Os fabricantes devem dirigir e continuar os seus estabelecimentos sobre objectos necessários ao gasto do país, principalmente sobre aqueles que vinham do estrangeiro.
Lançai as vistas para toda a parte onde descobrires abusos e anunciai-nos e indicai-nos os meios de os destruir. Eu prontamente os adoptarei, e do mesmo modo providenciarei o que vós não podereis providenciar.
Estimara que o Conselho dividisse o seu trabalho, a fim de que o público saiba a quem se deve dirigir em cada repartição. Esta divisão pode ser feita da maneira seguinte: a Guerra, a Marinha e a Polícia; o interior e as Finanças em geral, tanto pelo que pertence como a despesas; o culto; as pensões; e as reclamações de qualquer natureza. Deve haver um fiscal para cada uma das divisões ser expedida, e para a execução de cada ordem o Conselho se reunirá com o comissário do Governo francês [Mr. Hermann], que será também consultado, para este me dar conta de todas as disposições que se tomassem, assim como das que se decidirem.
Por este meio todas as ordens partem do mesmo centro e, dirigidos pelas mesmas boas intenções, não deixaremos de conseguir o fim a que todos nos propusemos: o bem geral.
Incitai, Senhores, a segurança da minha alta consideração.


Lisboa, 15 de Dezembro de 1807


Junot




PS: Tende a bondade de me remeter a carta que vai inclusa, depois de terdes tomado dela perfeito conhecimento."




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In Domingos Alves Branco Muniz Barreto, Memoria dos Successos acontecidos na cidade de Lisboa, fls. 35v-37.

Principais pontos de ocupação das tropas invasoras em finais de Dezembro de 1807




Principais locais ocupados pelas tropas francesas (a azul) e espanholas (a vermelho)
em finais de Dezembro de 1807 









Pormenor

A província de Trás-os-Montes durante as invasões

Durante o mês de Dezembro de 1807, a ocupação do território português por parte dos exércitos invasores ia-se limitando à guarnição de alguns pontos estratégicos da costa portuguesa e algumas poucas cidades do interior, nunca muito distantes do litoral. A maior excepção seria uma faixa de poucos quilómetros de largura, compreendida entre a fronteira (na zona de Alcántara) e Lisboa, faixa esta guarnecida com tropas francesas que protegiam o acesso à capital (recorde-se que as tropas de Junot ainda não tinham chegado na sua totalidade). Sendo um dos principais objectivos desta invasão o cumprimento do bloqueio continental decretado no ano anterior por Napoleão, percebe-se o desleixo de ambas as forças em guarnecer o interior. 
Neste sentido, a província de Trás-os-Montes, governada pelo Tenente General Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, foi a "mais feliz, porque não conheceu franceses nem espanhóis, o que procedeu talvez de terem discordado Junot e Taranco a respeito do governo dela. Ambos expediam ordem para esta província, mas chegavam frias, porque nenhum a ocupou com as suas tropas; apenas alguns pequenos destacamentos espanhóis fizeram nela reconhecimento em diferentes ocasiões, com o pretexto de procurarem desertores" (Acúrsio das Neves, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal... - Tomo I, 1809, pp. 304-305).



Fonte: BND
Tenente General Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda

Aviso da Regência para o General do Minho (23 de Dezembro de 1807)

Tal como se passara em relação ao sul do país, a Regência também avisou as autoridades do norte para acolherem e prestarem os apoios possíveis às tropas invasoras. A seguinte carta foi escrita pelo Conde de Sampaio ao General do Minho, Gonçalo Pereira Caldas:







In Simão José da Luz SORIANO, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 7-8.

A ocupação do norte do país pelas forças espanholas

Apesar da convenção anexa ao Tratado de Fontainebleau prever que as tropas francesas e espanholas ocupassem o país ao mesmo tempo, tal não se passou quer no sul, quer no norte de Portugal. Tendo plena consciência disto mal chegara a Abrantes, Junot ordenou então que a Divisão espanhola do General Carrafa, que acompanhara a entrada das tropas francesas em Portugal, se dirigisse para o Porto. Porquê o norte e não o sul? Era natural que Junot tomasse aquela resolução, pois como o General Taranco se demorava a ocupar o território denominado como Reino da Lusitânia Setentrional (segundo o aludido tratado), "era necessário ir segurar a importante cidade do Porto, por onde podiam sair grande parte dos habitantes e das riquezas de Portugal, sendo a segunda cidade do reino em grandeza e opulência, e achando-se também nela a prata das igrejas do Bispado e de Braga" (José Accursio das NEVES, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, e da Restauração deste Reino – Tomo I, 1809, Lisboa, pp. 299-300). De acordo com este mesmo autor, o Porto esteve alguns dias sem tropas estrangeiras depois da saída da corte para o Brasil. A ocasião era assim propícia para se porem a salvo muitas riquezas e pessoas, que, de facto, chegaram a embarcar no navio Amor da Pátria, que estava pronto para se fazer ao mar no dia 4 de Dezembro, "mas obstaram-lhe as autoridades civis e militares daquela cidade; o capitão do navio foi repreendido, e ordens rigorosas embaraçaram a saída de qualquer outro que a tentasse" (id., p. 300).
A marcha da Divisão Carrafa foi no entanto bastante morosa. Estas tropas alcançaram Tomar no dia 28 de Novembro, mas só partiram no dia 9 de Dezembro, talvez em virtude do atraso do pagamento duma contribuição que Carrafa tinha imposto. De Tomar partiram em direcção a Coimbra (onde foram arrecadados mais dez mil cruzados, a somar aos quatro mil adquiridos em Tomar). Quando chega ao Porto, já a Divisão do seu conterrâneo General Taranco encontrava-se aí há alguns dias. 


Percurso da Divisão Carrafa, de Abrantes ao Porto




Como já se referiu, depois de atravessar o país na zona de Valença, Taranco  (Governador e Capitão General da Galiza), chegou ao Porto no dia 13 de Dezembro, tendo logo mandado publicar uma proclamação sua.


Ver mapa maior

Percurso da Divisão Taranco, de Tuy ao Porto


De acordo com Acúrsio das Neves, o General Taranco fez o possível por abrandar e suavizar os efeitos da invasão, mais que não fosse porque não impôs contribuições para o seu governo militar. Mas Taranco não se ficou só por aqui: "Não se intrometia no governo civil, deixando pacificamente aos tribunais e ministros o uso da jurisdição que tinham em nome do nosso legítimo soberano. Criou sim um novo tribunal da fazenda; mas composto de portugueses, e com o fundamento de que era necessário para prevenir o desarranjo em que ficaram as rendas reais, pela ausência do príncipe regente. Na verdade, as circunstâncias o exigiam; não pela falta de soberano, pois esta se achava suprida pelo legítimo governo que fazia as suas vezes, mas porque executando-se, posto que momentaneamente, o desmembramento do reino traçado em Fontainebleau, era necessário dar nova forma à administração da real fazenda das províncias invadidas pelos espanhóis; pois que, a respeito delas, cessava a jurisdição do erário de Lisboa.
Não apareceu uma só ordem de Taranco que desse ideia aos portugueses de que tinham mudado de soberano, senão a carta de 15 de Dezembro, dirigida ao Chanceler da Relação do Porto, em que lhe participava as ordens que recebera do Príncipe da Paz para facilitar o comércio de carnes e outros géneros de Espanha para Portugal, que devia já reputar-se como uma parte do território espanhol, separado da Inglaterra, e sem recursos por mar". "Por outra ordem posterior, expedida por Taranco ao superintendente das alfândegas, determinou este General que se despachassem os víveres vindos de Espanha com a metade dos direitos e sem a multiplicidade de emolumentos do costume" (id., pp. 303-304).