terça-feira, 29 de março de 2011

Resposta de Junot a duas cartas de Napoleão (29 de Março de 1808)



Lisboa, 29 de Março de 1808

Sire,
O senhor de Bongars, oficial de ordenança de Vossa Majestade, entregou-me há pouco as duas cartas de 6 e 7 de Março que Vossa Majestade me deu a honra de escrever-me e que pensava que eu receberia a 17. Nessa data, a situação dos assuntos políticos em Espanha era absolutamente diferente da de agora, e penso que, para agir, necessito de novas instruções de Vossa Majestade. Vou ter a honra de vos dar conta das disposições que tomei para estar em condições de executar o que desejardes ordenar-me. Logo que soube da partida da Divisão Solano e Taranco, suspendi o envio das tropas portuguesas, que, embora em pequena quantidade, me poderiam servir, e tinha-lhes antecipadamente dirigido a opinião no sentido desejado por Vossa Majestade. Ao saber dos acontecimentos ocorridos em Espanha, pus essas tropas a caminho por dois itinerários de modo a poder servir-me delas quer contra a divisão da Galiza quer contra a da Extremadura, e Vossa Majestade verá pelo itinerário anexo que elas chegarão à extremidade das suas fronteiras dentro de 8 dias, isto é, a tempo de se poder dispor delas; apesar das precauções que tomamos, haverá muitos desertores, mas estas tropas estão habituadas a ficar sempre na sua região, e praticamente todos os homens são casados; é difícil fazê-los marchar; os que atravessarem a fronteira serão muito melhores para utilização em Espanha que em qualquer outro sítio; os chefes não pedem outra coisa, e estas tropas servirão bem se as misturarmos com as nossas.
Eu tinha enviado o General Kellermann a Setúbal, pensando que precisava de enviar tropas para os lados de Elvas e que ele as comandaria, pois supunha ser esse o ponto onde poderia empregar mais cavalaria.
Setúbal é um ponto importante, para impedir as frequentes comunicações do inimigo com os habitantes, e para o guardar, bem como aos fortes que defendem a margem esquerda do Tejo, tem apenas 400 homens, aos quais agreguei o Regimento espanhol de Múrcia, com cerca de 1.200 homens. Para seguir para Elvas, se Vossa Majestade ordenar, poderá levar um batalhão de 1.000 homens, e eu juntar-lhe-ei o 86.º Regimento, que tem 1.700 homens; como o 5.º Regimento de infantaria portuguesa só deve estar em Elvas a 9 de Abril, posso receber a resposta de Vossa Majestade ainda bastante a tempo de lhe impedir a partida e de juntá-lo às minhas tropas; vou ordenar a dois Regimentos de dragões, que constituem mais de metade da minha cavalaria, que sigam imediatamente, um para Évora e o outro para Elvas, onde o General Kellermann vai estar para poder vigiar as tropas espanholas da Extremadura. Vossa Majestade fala-me da artilharia ligeira; não tenho nenhuma, mas posso dar 6 ou 9 peças bem atreladas e com bons canhoeiros. Imediatamente a seguir à deslocação das tropas portuguesas, mandarei vir do Porto para o acampamento de Lisboa a infantaria espanhola da Divisão Carrafa que lá se encontra; a cavalaria e a artilharia que lá estavam já vêm a caminho deste acampamento; a impossibilidade de viver nessa estrada impede fisicamente um movimento de tropas considerável.
A quantidade de pontos que eu tenho de observar obriga-me a disseminar muito as minhas tropas. Tenho o 4.º batalhão suíço em Almeida e o 2.º batalhão suíço em Elvas, a Legião do Midi e o 26.º [Regimento] no Algarve, e isto não é bastante para guardar Setúbal, o seu forte, e os que defendem a margem esquerda do porto; há o Regimento provisório, formado com os 31.º e 32.º Regimentos, e o batalhão do 82.º.
Para guardar Cascais, o forte de S. Julião e os fortes da margem direita do Tejo até à Torre de Belém, tenho o batalhão do 47.º de linha, o batalhão do 66.º e a legião hanoveriana, que mandei render a bordo dos navios de guerra por um batalhão do 70.º de linha; formei um pequeno acampamento, composto por 1.500 homens retirados destes três corpos e que, colocados numa posição vantajosa entre S. Julião e Cascais, defenderiam bem estes dois fortes contra um eventual desembarque naquela enseada, que nos poderia inquietar se, de conluio com os habitantes, o inimigo se disseminasse na serra de Sintra; em caso de necessidade, as tropas desse acampamento podem estar facilmente nos respectivos fortes em duas horas.
Para guardar Peniche e a costa, não é de mais o Regimento provisório formado com o 32.º e o 58.º de linha; a guarnição de Lisboa, com o castelo, também não será muito considerável com o batalhão do 15.º de linha, 1 batalhão do 70.º e o batalhão dos granadeiros, um Regimento de dragões e o esquadrão dos caçadores a cavalo.



Ficarão, portanto, disponíveis apenas:

O 86.º Regimento
1.700 homens
O 1.º Regimento provisório de inf.ª ligeira
1.900 homens
O 2.º idem
2.000 homens
2 Regimentos de dragões e artilharia
   900 homens
Total
6500 homens 

Tanto para enviar ao porto como para formar um acampamento em Lisboa e seguir para Badajoz se Vossa Majestade ordenar

Pode Vossa Majestade ter a certeza de que, longe de se poder tirar um único homem dos pontos onde eles agora se encontram, quer para guardar a costa quer os fortes, seria preciso, pelo contrário, aumentá-los; os Algarves não estão bem defendidos e, se o inimigo ali entrasse por qualquer lado e instalasse um teatro de guerra como a da Calábria, teríamos grande dificuldade para lhe pôr cobro, pois não há nenhuma comunicação no interior. 

Comuniquei há dias a Sua Alteza Imperial o Grão-duque de Berg a colocação da Divisão Solano depois dos acontecimentos de Madrid, e ele escreveu-me que tinha ordem da sua corte para se concertar comigo e cumprir todos os pontos do que eu lhe ordenasse. Respondi-lhe que aguarda a esse respeito as ordens de Vossa Majestade e que teria sempre muito gosto em corresponder com ele, e pedi-lhe que me mantivesse informado dos movimentos que efectuasse.
Ordenei ao senhor Grandsaigne, Coronel meu ajudante de campo, que fosse a Burgos e se informasse no caminho sobre os locais onde agora estão as tropas espanholas da Extremadura e, tanto quanto possível, sobre o seu número; deve dar-me a saber o que apurar, e recomendei-lhe que visse tudo bem a fim de o comunicar a Vossa Majestade. Vou aguardar com impaciência as ordens de Vossa Majestade e cumpri-las-ei com o zelo e o desejo de bem fazer que Vossa Majestade me conhece no seu serviço.
Tenho a honra de enviar em anexo a Vossa Majestade um resumo da situação da marinha que responde às questões que Vossa Majestade se dignou formular na sua carta; junto também um resumo da situação do exército. [...]


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Fonte: Junot, Diário da I Invasão Francesa, Lisboa, Livros Horizonte, 2008, pp. 156-158 (n.º 102)-