quinta-feira, 26 de maio de 2011

O fuzilamento de dois portugueses e dois espanhóis em Setúbal (26 de Maio de 1808)


Depois dos fuzilamentos de Jacinto Correia em Mafra, de nove portugueses nas Caldas da Rainha e de Macário José em Setúbal, dois portugueses e dois espanhóis foram fuzilados também em Setúbal, no dia 26 de Maio, conforme o seguinte excerto dum manuscrito sobre as vítimas da justiça dos franceses durante a chamada primeira invasão francesa:

Uma junta militar de oficiais franceses condenaram à morte Manuel Pires, solteiro, de idade 26 anos, filho de Jacinto Pires e de Maria de Oliveira, natural de Oronha, bispado de Aveiro, de profissão trabalhador do campo, e Nicolau Marisqueiro, solteiro, de idade 37 anos, filho de Manuel Mariscal e de Justina[?] Gracia, natural de Lavola de Almancão[sic], tinha casa de posto na vila de Setúbal. 
A estes réus se lhes imputaram os crimes de roubos de estrada e moeda falsa; ambos estes crimes desculpáveis então, porque absorvendo os franceses em si todo o legítimo pecuniário, cumpria que o adulterino o substituísse; roubando tudo os nossos Protectores, não tendo privações, que fariam os naturais cheios de fome e miséria, e sem meios de satisfazerem às primeiras necessidades? 
Nestes crimes houveram cúmplices franceses, e com evidência o seu crime provado pela achada dos instrumentos da factura da moeda falsa pela oficialidade francesa deputada a este exame; porém, nem presos nem punidos foram. Estas faltas, na igual observância da justiça, deu a conhecer prematuramente aos portugueses que tal era o brilhante futuro prometido que os esperava:
Vieram presos da vila de Palmela acompanhados pelo escrivão Joaquim José Baptista, e remetidos para a cadeia da vila de Setúbal, donde saíram no dia 26 de Maio de 1808 do meio-dia para a uma hora da tarde, a padecerem na praia junto ao cais velho, onde os franceses os fuzilaram.
Assistiram-lhe dois clérigos e dois religiosos da Congregação da Missão de Brancana, que os confessaram e acompanharam no suplício; com estes morreram mais dois espanhóis compreendidos nos mesmos crimes, Manuel Martinez, casado com Maria Inácia, filho de António Gonzalvez e de Gregória Rodriguez, natural de Santiago, freguesia de Tubel da vila de Rubí, na Espanha, de idade de 21 anos, com casa de posto na dita vila, e Francisco Martinez, solteiro, filho de Gregório Martinez e de Teresa Alvarez, natural da província das Astúrias, idade 23 anos, criado de servir sua profissão.
O General Graindorge ordenou estes assassínios, porque outra coisa não pôde dizer dos actos de justiça dos franceses, que nenhuma solenidade de direito observaram; nem soldados respeitam leis, nem estas têm vigor para eles; Silere leges inter arma [sic]*, verdade conhecida e dita pelo cônsul orador.
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* Tradução: Face às armas, as leis se calam.


Carta da Junta do Principado das Astúrias a Sua Majestade o Rei da Grã-Bretanha (26 de Maio de 1808)



O Principado das Astúrias, reunido em Junta geral de Representantes, nos quais reside toda a Soberania devido às particulares circunstâncias, que serão comunicadas a Vossa Majestade, ameaçado de cair na escravidão de um Conquistador que, mais com a perfídia do que com o valor e a legalidade, quer aumentar o seu domínio, e animado com a dor de ver nas cadeias de um tirano violador de todos os direitos o seu desgraçado Rei Fernando VII e os demais membros da Família Real, tomou neste dia denodadamente as armas em sua defesa, para recuperar a Monarquia, quando não o possam as suas pessoas.
Grande é, Senhor, a resolução; mas é tão grande o ânimo e a justiça com que esta província decidiu, e a confiança que tem no favor e na ajuda dessa nação generosa e do seu Augusto Soberano, que desde logo conhecerá o terrível resultado da desmedida ambição do governo francês, cujo poder, se aumentado excessivamente com a possessão da Espanha, aspiraria à Monarquia Universal.
Acode assim o Principado, através dos seus deputados investidos com plenos poderes*, a solicitar de Vossa Majestade os auxílios oportunos na presente situação, e espera com o seu General em Chefe o Marquês de Santa Cruz de Marzenado, nomeado, reconhecido e jurado como tal, que Vossa Majestade se dignará aceder aos seus muito atentos rogos.
Nosso Senhor conserve e prospere a importante vida de Vossa Majestade.
Oviedo, 26 de Maio de 1808.

Os Representantes do Principado das Astúrias:
O Marquês de Santa Cruz de Marzenado
O Conde de Margel de Peñalva
D. Alvaro Florez Estrada, Cavalheiro Procurador Geral

Por acordo da Junta Geral do Principado das Astúrias,
Juan Argüelles, Vogal Representante e Secretário




Nota: 


* Estes deputados eram D. Diego (ou Andrés) de la Vega e o Visconde Matarrosa (futuramente conhecido como Conde de Toreno), que chegaram ao porto de Falmouth a 6 de Junho e dois dias depois a Londres, como se verá numa carta e numa notícia que adiante publicamos.