quinta-feira, 16 de junho de 2011

Lembrança para ficar na memória dos valorosos marítimos deste Lugar de Olhão, do que fizeram na restauração de Portugal e seu princípio, por João da Rosa



Lembrança para ficar na memória dos valorosos Marítimos deste Lugar de Olhão, do que fizeram na Restauração de Portugal e seu princípio. Casos sucedidos sobre o levantamento que este povo fez contra a nação francesa e como este Lugar de Olhão foi a primeira terra que se levantou no Reino de Portugal. E recomendamos muito a todos os nobres marítimos que sempre sejam muito leais valorosos vassalos a Sua Majestade, assim como eles foram em casos tais. Que o Altíssimo Jesus Cristo nos livre de tais casos sucedidos a todo o mundo, como sucedeu no ano de 1808.

O nosso amado Príncipe-Regente Nosso Senhor Dom João e sua mãe a Rainha Nossa Senhora D. Maria governando este Reino no melhor que podiam, tudo a beneficio dos seus vassalos, não querendo que o sangue dos seus leais vassalos fosse derramado, buscando todos os meios de estar em paz com o imperador de França Bonaparte e com seu sogro o Rei de Espanha fazendo as vontades a todos estes com dinheiros e tudo mais que lhes era preciso, a fim de conservar este Reino em paz e sossego e não derramar o sangue dos seus vassalos; como este imperador de França Bonaparte já tinha tomado vários Reinos, uns por força de armas e outros por falsidades e falsas promessas, induziu o Rei de Espanha para meter tropas em Portugal, espanholas e francesas, dizendo-lhe que vinham auxiliar Portugal contra Inglaterra, obrigando ao nosso Príncipe declarar guerra e tapar os portos à Inglaterra. Vendo-se o nosso Príncipe tão obrigado destes Reinos e não querendo fechar os portos e declarar guerra contra o seu fiel e leal amigo o Rei de Inglaterra, mas sendo obrigado à força, se proibiram os portos à Inglaterra. Vendo o nosso Príncipe que por nenhum modo podia conservar a paz, vendo que não podia acomodar isto, determinou mandar armar as suas naus e fragatas e brigues e mais navios, e mandando buscar a esquadra portuguesa que se achava no Estreito de Gibraltar de guarda costa contra os mouros argelinos, sabendo que as tropas francesas e espanholas vinham com toda a pressa entrando em Portugal, determinou embarcar-se, mais toda a Família Real e fidalgos e mais povo que pôde, e no dia vinte e nove de Novembro largou da barra de Lisboa para o Rio de Janeiro, e logo no outro dia trinta entraram as tropas francesas e espanholas em Lisboa, Setúbal e no Porto e mais terras do Reino. Este monarca Rei de Inglaterra foi tão fiel a Portugal, não olhando que Portugal lhe fechasse os portos, ainda mandando a todas as suas armadas que não proibissem os portugueses navegarem nem os pescadores irem ao mar a pescar, antes lhes dessem todo o auxílio e os tratassem ainda mais bem que os próprios ingleses, como bem constou nestes mares de Portugal, senão ainda nos mares dos Reinos estranhos.
Entradas que foram as tropas francesas e espanholas, logo tomaram posse do Reino, repartindo o Reino ao meio, de Lisboa para o norte ser de França, de Setúbal para baixo ser de Espanha, de sorte que em Lisboa nas torres e fortalezas estava a bandeira francesa arvorada, em Setúbal a bandeira espanhola. Passando alguns meses, teve o General francês com o General de Espanha ou a falsidade daquele Bonaparte introduzida contra Espanha, de sorte que se retiraram as tropas espanholas para Espanha, ficando governando todo o Reino de Portugal o General francês chamado Junot, começando [a] mandar tropas francesas para o Algarve, em que neste Lugar de Olhão entraram as tropas francesas no dia catorze de Abril, quinta-feira santa, vindo um General francês [Maurin] e um Governador [Goguet] para a cidade de Faro; tomando posse de todo o reino, dando baixa às nossas tropas de soldados e oficiais, tomando-lhes a todos as armas, mandando-as logo para Lisboa, ditando vários editais com ordens, ditando vários tributos aos povos e mandando numerar todos os barcos pescadores deste Reino, e ainda as mesmas lanchinhas da murraça e da meia-água, obrigando a este Compromisso cobrar destes miseráveis pescadores, por os deixar ir ao mar a pescar, oitenta e oito mil réis cada mês para o prato do Governador francês que assistia [=residia] em Faro; ainda os obrigava a levá-los a Faro, além dos mais tributos que pagavam de suas casas e vinhas e fazendas, e da dízima que pagavam a Junot. Chegou a tanto a maldade desta nação que abandonando todas as igrejas, tirando-lhes todas as alfaias de prata, cruzes, lâmpadas, coroas das imagens e tudo que tocava a prata, mandando logo para Lisboa fundir em dinheiro em barra e remetendo tudo para França. Chegou a tanto este Reino, que se queria ir algum barco de navego para Tânger ou Tetuão lhe havia de dar dez moedas de ouro, fora o que dava mais ao governador francês que estava assistindo neste Lugar de Olhão; se algum passageiro ia para fora do Algarve, lhe havia de pagar de tributo quatrocentos réis, chegando a tanto que, dos nossos soldados, fazendo dos mais moços e melhores trinta e tantos mil homens, os remeteu para França, onde chegaram até Salamanca e por lá ficaram. Vendo-se estes miseráveis marítimos, por todas as partes, por mar e por terra, com tantos tributos, em miserável estado, vendendo as suas roupas e alfaias de casa, quase dadas, quase menos pela metade, perdendo muitos dias de irem ao mar pelas encomendas que o francês lhes dava, e mais era que parecia que o Nosso Senhor e o próprio mar estava contra eles, que iam dias e dias ao mar e não matavam nada, que parecia que se tinha secado todo o mar e todo o peixe no mar, que apenas por serem muitos barcos pescadores é que matavam algum peixe e ia muito barato por causa das poucas ganhanças que havia tanto no mar como na terra, e o peixe não ter saída para o Reino e fora dele, chegando a tanto a maldade desta nação que em todo este Reino mandando derrubar abaixo as nossas armas reais, de que em várias cidades, vilas, povos e lugares fortalezas se deitaram abaixo e outras picadas e outras tapadas com painéis e outras com cal e pedra. Desta sorte estava este miserável Reino e seus vassalos oprimidos. Chegou a tanto a maldade deste tirano Imperador Bonaparte que tendo toda a Espanha por sua, o que ele queria se fazia, e fingindo que queria tratar certos negócios com o Rei de Espanha e seu filho o Príncipe D. Fernando e com as mais Pessoas Reais e tratar certos negócios do Reino, nas raias de França e debaixo daquela paz como estavam com o seu leal amigo já há muitos séculos de anos, partiram da Corte de Madrid todas as Pessoas Reais, levando consigo muitos fidalgos e secretários e tudo o mais que lhe era preciso a tal Senhor. Chegados que foram às raias de França, o banquete que lhes deu foi aprisioná-los, a todas as Pessoas Reais e tudo o mais que levavam em sua companhia, e conduzindo tudo logo para França prisioneiros, onde estão tratados como umas pessoas mal-nascidas, sem honras e sem mando. Sabendo-se em Espanha esta falsidade se levantaram, onde foi o primeiro levantamento na nobre e leal cidade de Sevilha, como bons fiéis vassalos.
Os marítimos deste Lugar de Olhão, como bons fiéis vassalos a tão bom Senhor como tínhamos, o Príncipe-Regente D. João nosso Senhor, vendo-se em tantas misérias e necessidades como foram notórias, e principalmente este Lugar de Olhão sendo uma das terras deste Reino do Algarve que lhe foram carregados mais tributos, chegando mais que até o Governador francês que estava mandando e governando este povo obrigava este Compromisso lhe dar peixe todos os dias por deixar ir os pescadores ao mar a pescar, e não os deixava ir senão alto dia com sol e vir com sol, sendo que se alguém não viesse a horas os mandaria prender e remetê-los ao seu Bonaparte em França, e que eram falsos que iam vender peixe aos ingleses e dar todas as notícias do que se passava em terra, e para acautelar tudo isto se lhe dava o dito peixe para não padecer ninguém; estes nobres marítimos deste Lugar de Olhão, nem com todos estes trabalhos, necessidades e misérias que passavam perderam o amor e a lealdade ao nosso amável Príncipe, pois bem conheciam que ele de nada disto era culpado e por tanto amor e lealdade que lhe tinham e a todas as Pessoas Reais e à Pátria, e o sangue português que circulava por suas veias como bons e fiéis vassalos a tão bom Senhor, olhando sempre para aquela nação francesa com olhos de veneno e má vontade, como eles diziam em Faro que a gente deste Lugar era má gente que nunca olhava para eles com olhos direitos.
Capela do Compromisso Marítimo de Olhão
(cujo arco é rematado pelas armas reais)
Nosso Senhor Jesus Cristo, que tão altos são os seus divinos olhos de misericórdia, e como tem escolhido este Reino para tronco da cristandade, e querendo-o livrar desta nação francesa, olhando-nos com seus divinos olhos de misericórdia, caso prometido por Deus: Sucede que no dia doze de Junho de 1808, véspera do nosso Santo António português, cuja imagem temos na nossa Capela deste Compromisso, lhe irem armar a Capela para no seu dia treze se celebrar a sua festa, e de repente, olhando para as armas reais que estão na dita Capela, na Igreja, que se achavam já há muitos meses tapadas e pregadas com pregos com um painel de Nossa Senhora da Conceição, o escrivão deste Compromisso, João da Rosa, as destapara e as pusera a público, sem olhar a mais nada, confiado em Deus e Nossa Senhora da Conceição e no nosso Santo António. Vindo o dia 13, dia do nosso Santo António, vindo o povo deste Lugar à missa, vendo as armas reais destapadas, se lhe infundiu na alma e no coração aquele amor e lealdade, como bons e fiéis vassalos a tão bom Senhor. Todas as embarcações na praia em terra levantaram a bandeira portuguesa acima, sem temerem o inimigo nem a mais nada senão a sua liberdade e serem fiéis ao nosso amado Príncipe, de quem tinham recebido tantas mercês e favores. Sucede no dia dezasseis de Junho, dia de gloriosa memória de 1808, dia de Corpo de Deus, pelas dez horas e meia do dia, tocando-se à missa do dia, estarem muitos marítimos e mais povo no adro da igreja para ouvirem a missa, e chegar José Lopes, governador da Vila Real, a quem eles já tinham chamado a si por este se ter ausentado de Vila Real para não estar sujeito ao francês, vindo assistir [=residir] neste Lugar sem mando, mais a sua família; e todos juntos, estando um edital francês que tinha mandado o General francês de Lisboa, chamado Junot, pregado à porta da Igreja e outro no pelourinho [=cadeia] prometendo muitas promessas e ameaças a todos os que não quisessem, e pedindo nele auxílios a nós portugueses, este José Lopes, fazendo uma fala a este povo e principalmente a nós mareantes, dizendo que já não havia homens do mar marítimos como os antigos, eles todos juntos a uma voz lhe responderam que eles eram homens como os seus antecessores e bons fiéis e leais vassalos a Sua Majestade e que por ele queriam morrer e dar até a última pinga de sangue do seus corpo, dizendo mais que os mandasse e governasse como seu chefe, que para tudo estavam prontos e mais que prontos. E logo sem mais demora, correndo cada um quem mais podia a rasgar o edital que estava pregado na porta da Igreja e o fizeram em bocadinhos e o pisaram aos pés, outros logo correndo ao pelourinho a fazer o mesmo ao outro edital, outros subindo à torre tocar o sino a rebate, e logo todos juntos a uma voz clamaram dizendo "Viva Sua Majestade, viva o Príncipe-Regente Nosso Senhor D. João de Portugal, viva toda a Família Real, viva todos os nossos governos portugueses que foram fiéis ao nosso amado Príncipe, morra toda a nação francesa", e logo se arvorou as armas do nosso Portugal, e correndo pelas ruas em altas vozes clamando "Viva o nosso amado Príncipe", o que todo o povo seguiu a mesma voz e logo todos, a quem mais prestes correndo, embarcando-se em barcos, deitando-se ao mar assim como estavam vestidos, sem olharem a mais nada, embarcando em barcos uns à Barra Grande e outros à Barra Nova [mais precisamente ao forte (arruinado) da Armona e à fortaleza de S. Lourenço] buscar as peças e algumas munições e pólvora para nos defendermos do inimigo, e os que cá ficaram era tanta alegria e prazer que havia na terra, todos pegando nas armas que havia na terra, que eram forcados, fisgas, besteiros e paus, espadas velhas, espadins, paus, pedras, tanto faziam homens como mulheres, rapazes, raparigas, até o mesmo pároco da igreja e os padres, todos dizendo em altas vozes “Queremos morrer pelo nosso amado Príncipe e toda a Família Real”. E todos unidos a uma voz e a uma vontade, dispostos a todos os perigos, embarcados em barcos a quem mais podia embarcar, os da Barra Grande chegando à cabana do guarda do Forte da Barra Grande, que se achava comandando o Sargento Jacinto Ramalho Ortigão, o que este oficial, como bom fiel vassalo a Sua Majestade, logo entregou a eles marítimos tudo o que lá tinha em seu poder, sem pôr a menor dúvida, que constava de duas peças de bronze, uma caixa de pólvora e mais munições, e chegando ainda mais que ele mesmo mais os seus soldados embarcaram dos barcos e nos vieram ajudar, assistindo em tudo como bons e fiéis vassalos, a socorrer este Lugar aonde assistiram em tudo; os barcos que foram à Barra Nova, que comandava o tenente José Alberto, obrando pelo contrário, não quis entregar nada, antes embolando as peças e mandando formar soldados contra eles mareantes, os quais se vieram embora sem trazerem nada. Outros barcos que foram à armada inglesa, que se achava ancorada na Figueirita, para ver se nos mandava algum auxílio ou nos socorria com algum armamento, lhes responderam que não podiam dar isso e se tínhamos nós mantimentos para sustentar as suas tropas inglesas. Largando foram a Ayamonte, topando lá o Capitão Sebastião Martins Mestre, da cidade de Tavira, este sabendo o que eles lá iam buscar, e juntamente que Olhão estava levantado contra os franceses, os estimou muito e lhes deu tudo o que era preciso para darem socorro a este Lugar contra o inimigo, e por sua via alcançaram 130 espingardas, e embarcando ele mesmo no dito barco, de que era mestre Cristóvão Gomes, que tinha acabado o ano passado de ser juiz deste Compromisso, chegando todos a terra a este Lugar todos muito contentes, e principalmente este Lugar, por se achar sem armas entremeio de duas cidades inimigas [Faro e Tavira] que lhe não podiam valer ainda por via das muitas tropas francesas que estavam nelas. O dito governador José Lopes, mais o Capitão Sebastião Martins Mestre, entregando estas espingardas aos homens do mar e alguns da terra que assistiam neste Lugar, recebendo as ditas armas todos ficaram muito contentes e fortes, como se estivessem na melhor praça de armas das mais fortes que houvesse no mundo. Neste mesmo dia tomámos o coche da nossa Rainha, que tinha trazido o General francês que estava em Faro, trazido de Lisboa, que ia de Faro para Tavira pela estrada de cima a buscar umas francesas para Faro. Sabendo-se que três chavecos de Tavira vinham para Faro carregados de trastes de guerra e outras coisas mais, encomendadas pelos franceses, entrando pela Barra Grande se embarcaram os marítimos deste Lugar, como bons, fiéis e valorosos portugueses, em barcos pescadores, e junto à Barra Nova tomaram todos os três chavecos e aprisionaram tudo o que eles tinham tirado ao Regimento de Lagos e ao Regimento de Tavira, onde trouxeram tudo para este mesmo Lugar, onde aprisionámos setenta e sete soldados franceses, quatro oficiais e um quartel-mestre; em terra aprisionámos três correios franceses com cartas que traziam de Lisboa. Chegados que foram os chavecos a este Lugar, os prendemos a todos e principalmente sabendo-se que estes soldados e estas bagagens vinham para Faro em socorro das tropas francesas que se achavam em Faro e que tinham medo que os filhos de Olhão os fossem atacar a Faro, de sorte que juntassem em Faro, pelas estradas que vêm para Olhão, peças de artilharia. 
Ponte velha de Quelfes
O General francês [Maurin], logo que no mesmo dia soube que Olhão estava levantado, mandou ordens a Tavira e a Vila Real para virem para Faro todos juntos, para virem arrasar Olhão e passarem tudo à espada. Já a este tempo nós tudo sabíamos por via de três piquetes que lhes tínhamos apanhado com cartas que diziam isto mesmo; os valorosos marítimos e mais algumas pessoas da terra que assistiam neste Lugar de Olhão nada disto lhes metera medo nem abalo, antes lhes meteu mais ânimos, de sorte que sabendo-se neste Lugar, por piquetes que trazíamos, que tinham chegado a Moncarapacho pelo meio-dia as tropas francesas, as fomos esperar à Ponte de Quelfes, onde começámos a atirar os primeiros tiros e os fomos perseguindo em peleja entre os matos do Joinal, matando lhes dezoito soldados franceses, fora doze feridos entrando em Faro estropiados. Vendo o General francês da sorte que Olhão estava da sua tropa maltratada, mandando um piquete a este Lugar dizendo que o seu Imperador Bonaparte nos daria muitos dobrados privilégios dos que tínhamos do nosso Rei e não pagaríamos tributos nenhuns, seríamos livres de todos os direitos, isentos de tudo, e que o seu Imperador seria nosso amigo, que nos perdoaria tudo, que seria nosso amigo, que faria tudo como nós quiséssemos, que esperava de nós este favor e que lhe mandássemos a resposta por escrito. Esta embaixada mandou ele General francês a um hortelão de uma horta de Faro, e seu irmão provedor francês a trouxe e a deu ao tal hortelão, ele ficou à Meia-Légua esperando pela nossa resposta, porque neste tempo tudo quanto vinha de Faro se aprisionava. Dada a resposta por escrito, cujo se escreveu em casa do pároco deste Lugar, o Padre António de Matos Malveiro, o qual foi muito valoroso e fiel vassalo, pois era o primeiro que se achava em tudo o que era preciso, concorrendo em tudo o que era preciso de sua casa, socorrendo os pobres e metendo muito ânimo a todos, pregando pela ruas e na Igreja, dispondo muitas vezes o venerável sacramento, em cuja resposta respondeu o povo todo junto a uma voz e resoluto que não queriam reconhecer o Bonaparte por seu Rei, senão o Príncipe Dom João de Portugal e toda a mais Família Real, e que não se queriam entregar nem queriam seus privilégios nem suas dádivas, que pelo seu Príncipe estavam prontos até à última pinga de sangue do seu corpo, se queria guerras que eles estavam prontos no campo, que viesse mais todos os franceses e todo Faro, que estavam prontos para tudo. Dada a resposta por escrito e a voz do povo, ido que foi o embaixador, mandando seu irmão o Governador francês trazendo obrigados à força da cidade de Faro o Dr. Corregedor Juiz de Fora e mais algumas pessoas particulares de Faro, vindo todos em seges e outros a cavalo a Torrejão de Cima, porque na embaixada que se lhe deu fora o juiz deste Compromisso e o escrivão do mesmo assinados, e mandando chamar o dito juiz do Compromisso e mais oficiais, onde fora ter com eles levando em sua companhia o eleito mais velho, António Martins Calado, e mais algumas pessoas do povo, chegados que foram à sua presença o chamou para o pé de si com muito amor e carinho, e chamando-lhe bom pai de família, que ele era seu amigo, que fizesse com o seu povo que os acomodasse, que se fizesse tudo como nós quiséssemos, que ele queria paz connosco, que se queríamos assim que pedíssemos nós os fiadores que quiséssemos e seria tudo o que nós determinássemos, se queríamos assim no outro dia à Meia-Légua viria um tabelião fazer a escritura, se não quiséssemos fazer o que ele dizia seríamos todos passados à espada e Olhão arrasado para memória das mais terras. Estando nestas práticas chegou um piquete francês de cavalo, todo suado, a toda a pressa, a dar-lhe notícia que Faro estava levantado. E logo todos se foram embora para Faro, levando consigo a tropa francesa e alguma portuguesa obrigados à força, que vinham a combater com este Lugar de Olhão; chegando à horta de Caetano Domingues lhes fizeram fogo do alto os nossos portugueses, de que fugiram todas as tropas francesas. Em Faro aprisionaram o General francês e mais alguns franceses, isto foi no dia dezanove de Junho no dito ano de 1808, pelas três horas e meia da tarde, de que se levantou Faro. Fugidas que foram as tropas francesas de Faro, passando nessa noite desviados deste Lugar, perdidos por essas fazendas com medo que tinham da gente de Olhão, não tomando estradas direitas toda a noite, deixando por cima deste Lugar, na estrada de São Bartolomeu, um obus mais uma peça, tudo encravado em muita pólvora escramalhada por essas estradas, entrando em Tavira pela manhã, cansados, estropiados do caminho e de não dormirem aquela noite, na tarde se formaram todos, onde se dizia que vinham arrasar Olhão e passar tudo à espada; formadas as tropas francesas, tomaram a Rua de São Lázaro pela estrada do Alentejo, e idos que saíram de Tavira se alevantou a cidade no dia vinte de Junho do dito ano acima.
Nestes dias todos que estivemos alevantados contra os franceses, não vinha pão nem nada de fora da terra para este Lugar nos sustentarmos a nós e mais quarenta e nove soldados pés-de-castelos que nos ajudaram a nos defendermos, tanto fez de noite como de dia, todos nós pegados em armas das que havia sem ninguém descansar, com rebates de noite e de dia, nem se dormir. Além das muitas despesas que este Compromisso tinha já feito nas tarimbas, aquartelamentos e camas e tudo isto mais que lhe era preciso, obrigados pelo General francês a fazerem tudo isto e o mesmo foi nas mais terras deste Reino e sem este Compromisso de todo em todo ter cinco réis, por causa que neste dias todos não ia ninguém ao mar nem ainda ao rio [actualmente denominado Ria Formosa] passando todos muitas necessidades por não irem ao mar nem haver condutos para nos sustentarmos, de sorte que muita gente dias e dias não comia nada por não ter para comprar pão e principalmente a tropa que nos ajudava, que foi necessário que os oficiais deste Compromisso, António Martins Calado e mais outros, andassem pedindo pela terra pelo amor de Deus para os sustentarmos e lhes darmos naqueles dias o seu soldo por não morrerem à fome, e com todas estas necessidades que passámos parecia que Deus Nosso Senhor nos mantinha, porque havia dias que ninguém vinha comer a casa senão à pressa, à noite, e logo marchava para o campo a pôr-se pronto tudo em geralmente, e desta se deitaram as tropas francesas fora deste Reino do Algarve, ficando livre desta maldita nação. Idos que foram deste Reino do Algarve, foram direitos a Beja, onde houve muitos mortos na nossa gente e muitas desgraças, morrendo também muita gente francesa, e o mesmo fizeram em várias cidades do nosso Alentejo, muitas casas perdidas e famílias inteiras mortas; sabendo-se isto, vindo alguns oficiais nossos do Alentejo a este Algarve a pedir socorro, lhes foi socorrer o mesmo José Lopes levando gente deste Algarve e peças de Faro, os deitaram fora com ajuda das tropas espanholas que nos vieram ajudar a deitar fora, tomando o caminho as nossas tropas de Setúbal restaram, e mais terras tomadas que foram fizeram linha da banda do sul de Lisboa e saltando as tropas inglesas em terra por cima de Lisboa se deu o inglês por cima de Lisboa [Vimeiro] um combate ao francês em que lhe matou muita gente e no dia 15 de Setembro se entregou Lisboa, do ano de mil oitocentos e oito, cujas tropas francesas os ingleses os meteram em navios e os mandaram pela barra fora, e desta sorte ficou Portugal livre dos franceses, e que depois foi o mesmo José Lopes, já feito marechal de campo, com tropas portuguesas ajudar a Espanha a se defender dos franceses.
E por tudo isto ter sucedido neste Lugar de Olhão, atestamos e fazemos certo, e o que escrevemos de fora do que sucedeu nas mais terras por cartas que recebemos e dito por pessoas de crédito e sabermos de certo tudo isto. Estes são os infortunados sucessos em que se viram este miserável Lugar de Olhão, tanto faz os homens do mar como os homens da terra que então assistiam[=residiam] neste Lugar de Olhão, reservando várias pessoas que fugiram nesta ocasião do combate e nos largaram neste conflito e se ausentaram para fora deste povo, o que presenciámos de vista e sabemos de certo como oficiais que então servíamos neste Real Compromisso, declarados: juiz, José Martins Micano; eleito mais velho, António Martins Calado; recebedor, Lourenço da Costa; escrivão, João da Rosa; procurador, Francisco da Rocha; eleito mais moço, José dos Santos; mordomo, Fernando da Silva. De que fiz declaração como escrivão deste Real Compromisso para todo o tempo constar o sucedido.

João da Rosa


[Fonte: O Manuscrito de João da Rosa [edição actualizada, revista e anotada por Helena Vinagre, Veralisa Brandão e António Rosa Mendes], Gráfica Comercial - Loulé, Câmara Municipal de Olhão, 2008. Ademais de diversas notas (que não incluímos aqui), esta edição contém uma introdução do professor António Rosa Mendes, intitulada "Um documento precioso", que vivamente recomendamos aos interessados]. 

Memória da Revolução do Algarve, pelo padre João Coelho de Carvalho



Parece ser justo que aqui fique em memória a revolução deste Bispado [do Algarve], as suas antecedências e consequências, visto que o Seminário teve muito que temer antes e depois dela. 
O Príncipe Regente de Portugal, temendo com bem fundado receio que as tropas francesas que sem seu consentimento entraram no Reino se quisessem senhorear de sua pessoa, dirigiu-se ao Rio de Janeiro, deixando uma Regência de Governo
Entraram os franceses na Corte fazendo-se senhores dela, e parte do Reino além do Tejo. E para entretanto iludirem a Espanha, a quem haviam [de] fazer o mesmo pouco depois, repartiram com ela deixando à sua disposição a parte que fica aquém do Tejo, em virtude do que os espanhóis fazendo quartel-general em Setúbal, mandaram uma Divisão para o Algarve, e comandada pelo Marquês de Coupigny que veio fazer seu quartel em Faro, residindo desde 22 de Janeiro até 22 de Fevereiro [de 1808] no Palácio Episcopal, sustentando com sua comitiva à custa do Excelentíssimo Senhor D. Francisco Gomes, a quem o mesmo General e seus ajudantes, principalmente Federico Moretti, fizeram grandes obséquios de honra, agradecendo-lhe por fim o bom acolhimento que suas tropas acharam neste povo, devido tudo à boa disciplina eclesiástica que o mesmo Senhor tanto recomendava nas suas homilias ao mesmo povo, que nesta parte correspondeu aos desejos de todos, ao menos em geral e publicamente, não ficando deteriorado o seu crédito com a morte secreta que padeceram alguns espanhóis, talvez bem merecida pelos seus crimes (disto porém apenas havia certo rumor e por isso pode ser [que] não seja verdadeiro). 
Em 22 de Fevereiro saiu daqui o general [Coupigny] e o Estado maior, tendo-lhe precedido a saída da tropa de linha miliciana. O General e seus ajudantes esperavam pelo general francês no seu quartel; mas na madrugada seguinte recebeu ordens de partir logo, de sorte que não se viram, apesar de chegar a Faro duas horas depois da sua retirada. Isto, que então foi acaso, era já prelúdio do que depois havia de acontecer; vindo o dito general Coupigny a ser quem, em grande parte, concorreu para a derrota de Dupont, de quem este exército francês compunha parte, segundo o que depois se descobriu. 
Pela saída dos espanhóis entraram os franceses em duas colunas de pouca gente, que, ao todo, fazia o número de quatrocentos homens. O general [Maurin] alojou-se nas casas de João Carlos, onde foi cumprimentado pela nobreza, em cujo número entrava o Excelentíssimo Senhor D. Francisco, oferecendo-lhe o seu palácio para quartel, que não aceitou para si, mas sim para um seu ajudante, quatro criados e seus cavalos! Que princípios de política francesa! 
A primeira visita que fez este grande político foi a seus cavalos, que vinha ver todos os dias; o seu ajudante era efectivo na cavalariça, e, às vezes, também se viu limpando neles, donde se inferiu que um e outro, ambos irmãos, certamente tinham tido por princípio de educação alguma estrebaria. Apesar desta manifesta grosseria, quis cativar os ânimos da nobreza com um jantar público em dia de Ramos [10 de Abril], para que foi convidado o prelado do Bispado, que não aceitou alegando moléstia e actual trabalho naquele dia solene. Afectou este ser católico, não permitindo [o] uso de carnes no seu banquete, mandando advertir esta circunstância aos convidados, talvez temendo já que por este temor o prelado se recusasse. Com estes prelúdios pretendia dispor os ânimos para anuírem à sua pretensão de que para o seu prato se lhe subministrasse nas três comarcas [Tavira, Faro e Lagos] um conto e duzentos mil réis mensais. Como porém os corregedores, amantes do seu povo, especialmente o de Faro, dessem disto parte a Junot, deste veio ordem para que nada se lhe desse, donde resultou ser descomposto injuriosamente o dito corregedor, Manuel José Plácido, pelo mesmo General, na ocasião de lhe intimar a ordem que recebera. O exemplo do general imitavam todos os subalternos no que lhe era possível. 
Os governadores das praças obrigaram os mestres dos barcos de pesca a pagar um tanto por mês; os de Faro pagavam 400 réis, os de Olhão 600 réis. A estes e àqueles concediam licença para sair do porto, ainda que fosse inimigo, contanto que pagasse bem. E deste modo navegavam os de Olhão para Gibraltar, donde traziam contrabando, sendo isto proibido com pena de morte pelos mesmos franceses, de cujas leis estes eram executores; donde se inferia que semelhante legislação tinha por fim servir de pretexto para sacar dos navegantes avultadas quantias para conseguirem a faculdade de navegar ou de sair do país, o que também tinham proibido com a mesma pena. 
E se este não foi o espírito da proibição, então ainda mais prova a vileza de tais guerreiros, que não cumpriam as ordens do seu semideus Napoleão, por alcunha o Grande. Proibiam a pesca para que os pescadores não comunicassem com os ingleses; mas se pagavam a contribuição, acabava-se o receio: iam à pesca e falavam com os ingleses! Só não procediam contra quem pagava. E que tais eram os representantes de Bonaparte! A usurpação das pratas das igrejas; a contribuição de quarenta milhões; as violências cometidas pelos oficiais, querendo para seu alojamento as melhores alfaias; isto e muitas coisas dispunham os ânimos para a revolta, que no Algarve apareceu no dia 16 em Olhão e 19 em Faro. 
É coisa bem conhecida por todos que a Espanha, com a sua paz e aliança com a França, foi a ruína da Europa, sendo ao mesmo tempo de si mesma, porque as suas riquezas, marinhas e exército, aumentando as forças da França, diminuíam as suas. Por fim, desta íntima aliança foi o trono de Espanha derrubado, a família real toda inteira passou prisioneira à França; e substituído [por] José, irmão de Napoleão, que então era rei de Nápoles, tão legítimo como queria ser de Espanha. A nação irritada sacudiu o jugo levantando-se em massa contra os usurpadores, que, com capa de amigos e defensores, estavam no centro e nos melhores postos. Quando Dupont marchava para se fazer senhor de Sevilha e Andaluzia toda, tiveram ordem as tropas francesas da guarnição do Algarve de marchar para a raia, a fim de que, incorporando-se com uma divisão que havia [de] vir de Setúbal, entrassem na Espanha por Alcoutim. Marcharam, mas a união não teve efeito, e muito menos a passagem, que os espanhóis lha disputaram no passo de Alcoutim. 
Foi nestes mesmos dias que Junot mandou afixar editais convidando os portugueses para atacar a Espanha revolta. Um semelhante edital, posto no dia 16 de Junho na porta da igreja paroquial de Olhão, enfureceu de tal modo os ânimos daquele povo, que, tomando por cabeça o coronel José Lopes de Sousa, governador de Vila Real [de Santo António], que então se achava no dito povo, se puseram em defesa contra os franceses, fazendo vir as peças de artilharia, que tinham na fortaleza de S. Lourenço. Parte da guarnição de Faro, que ainda se conservara, convidou o coronel de artilharia a atacar com a tropa aquela povoação. O coronel anuiu, mas a tropa ia de má vontade e muito menos nisto convinha o povo de Faro. Também por anuir ao General francês e Corregedor mor, a Câmara da cidade mandou afixar editais em Olhão, persuadindo este povo para que se aquietasse. E porque nada se julgava bastante, foram convidadas algumas pessoas caracterizadas e com relação na dita povoação, a fim de lhes ir persuadir que não fossem por diante com a revolta. Mas ou porque uns não aceitaram a comissão ou porque outros a não puderam efectuar, receando ambas as partes a falta de cumprimento nas promessas, os magistrados da cidade tomaram sobre si a reconciliação, que foram persuadir, mas nenhum efeito resultou porque nesse intervalo se levantou o povo de Faro, e porque não havia com quem tratar negócio sério e seguro, estando ausente o acima referido governador, cabeça da revolução, por ter ido conduzir a Sevilha os prisioneiros franceses feitos no dito lugar do Olhão. Aqui pertence expor o motivo desta ausência que constará do que se vai referir. 
No dia 18 de Junho tentaram os franceses atacar Olhão, mas o povo mal armado resistiu, havendo por ambas as partes alguns mortos e feridos; não constando quantos morressem da parte dos franceses, consta que do povo de Olhão, neste encontro, ou escaramuça, morreu um velho, por loucura, pois foi-se meter entre eles, e ficou ferido outro num braço que ficou quase cortado de todo e com uma estocada, que o passou das costas ao peito, que dizem fora feita por um português que acompanhava os franceses, cujo nome se cala* por não estar provado o seu crime, se bem [que] já está mais que convencido da sua maníaca adesão ao sistema e máximas dos franceses presentes. Esperamos que o governo vingue a nação por este atentado e actos de semelhante natureza. 
Além destes, constou que os franceses mataram algumas pessoas que [se] achavam desacauteladas pelos campos, que, em boa fé, não se retiravam por não serem partidistas do povo de Olhão. Isto aconteceu na ponte de Quelfes, onde os franceses, que vinham de Tavira unir-se aos de Faro contra Olhão, foram atacados pelos paisanos, que, por medo e ignorância militar, não os derrotaram de todo; emboscados deitaram muito mal a primeira descarga, e fugindo logo deixaram sós os dois chefes que os comandavam. Foi aqui onde os franceses mataram um segador ocupado no seu trabalho; e dos franceses no combate só consta que morresse um ou dois. 
Antes destes dois encontros tiveram os pescadores de Olhão a temeridade de atacar alguns barcos que vinham pelo rio de Tavira para Faro com a bagagem do exército todo, guarnecidas com sessenta soldados. Foram tomados e sem resistência, porque os franceses ignoravam o levantamento e os suponham pescadores que iam para a pesca. 
Por ocasião deste aprisionamento resolveu o chefe da revolução José Lopes, governador de Vila Real, conduzi-los ele mesmo a Sevilha, a fim de tratar com a Junta daquele reino algum meio de defesa, que não havia em Olhão. 
Muitos críticos, e talvez com razão, censuraram esta retirada do governador, deixando aquele povo entregue a dois comandantes pouco instruídos na arte militar, na ocasião em que ali era indispensável a sua presença, por onde inferiram que ele, contando com a vitória dos franceses, estimou a ocasião de se retirar; e na verdade julgar outra coisa não parecia acerto, à vista do estado daquele povo, sem armas nem munições e numa total ignorância militar. Eram homens que nunca pegaram em espingardas, e só depois da revolução é que tomaram algum exercício, e, portanto, com esta gente, esperar vitoria [sobre] a tropa francesa e artilharia portuguesa [de Faro] era loucura rematada. O mesmo povo – ainda os mais ignorantes dele –, conheceram o evidente perigo, e por isso no dia 18 dormiram todas as famílias em barcos no rio, ficando pouca gente em terra.
É coisa pasmosa ver o modo com que a Providência acudia por este povo. Daquele meio de que se serviu para acautelar do perigo certo e evidente, desse mesmo se serviu Deus para o livrar. Postos os barcos em linha, muita gente dentro deles e outros já abarracados na ilha, fez supor aos franceses que os ingleses, em grande número, estavam já em terra, desembarcados da esquadra que andava à vista. As mesmas mantilhas encarnadas, de que muito usam as mulheres daquele povo, fizeram crer aos franceses que ali estavam tropas inglesas, cujo uniforme é encarnado nalguns regimentos. Ainda mais admirável é uma particular circunstância então acontecida, e presenciada pelos mesmos portugueses que acompanhavam os franceses, que por isso foram testemunhas do seu susto, e também com eles se persuadiam, pelo que viam, da realidade da presença de tropas inglesas. É o caso. Rodeiam Olhão pelo norte muitos valados cheios de piteiras; estas mesmas, com o orvalho da manhã, dando-lhes o sol ao nascer, ficam com certo luzidio resplandecente, pelo que se persuadiram os franceses, à vista disto, observado com os seus óculos, que eram as armas da tropa inglesa. Ainda aqui não param os motivos de admiração. Para se capacitar de todo se havia ou não tropas inglesas em terra, mandam espias a examinar; estes encontram algumas pessoas daquela povoação, de quem, perguntados em diversos lugares, uniformemente ouvem a mesma resposta, por onde ficam certos da verdade do desembarque. Ainda não contentes com estas provas, querem desenganar-se por meio de um fingido parlamentário que enviam a Olhão, o qual procura logo informar-se com disfarce se havia ali tropas inglesas; a guarda que lhe recebeu o recado francamente lhe respondeu que na verdade havia muita gente inglesa. 
Nada disto, porém, seria para admirar para os franceses, homens prevenidos com um terror pânico a respeito dos ingleses e num país cujos nacionais, alem de apaixonados pelos mesmos ingleses, davam expressivas provas do seu ódio aos franceses. O que mais há aqui para admirar é que os mesmos portugueses, ainda os mais inteligentes e presumidos na certeza, estavam convencidos do mesmo. O cónego Manuel do Coito, homem lido e bem conhecido nesta cidade pela sua capacidade, e que passa pelo melhor crítico, este mesmo quis persuadir a quem isto escreve, que na verdade em Olhão havia ingleses, pois oficiais desta nação, pelas fardas encarnadas, foram vistos e conhecidos na Horta do Rio Seco e no Montinho de José da Beira, no dia 18 à tarde. Esta era, pois, a comum persuasão em Faro, no dia 19. 
No dia 18, marchou a tropa portuguesa para auxiliar os franceses contra Olhão. Isto foi mal visto pelo povo de Faro, que logo principiou a dar sinais do que queria fazer. Nessa mesma tarde foram atacados com impropérios o Corregedor mor [Mr. Goguet] e o cônsul francês, Pascoal Turri**, que com justo fundamento se ausentaram de Faro nessa noite para Loulé, a segurar as suas pessoas e dinheiro, donde, voltando no seguinte dia 19, à tarde, foram atacados junto ao lugar de S. João da Venda; e depois de alguns tiros de pistola escaparam, porque errou a espingarda a um paisano. Fugiram para Loulé e daí para Lisboa. 
Dispostos os ânimos, no dia 19, pelas duas horas da tarde, ouviu-se sinal de rebate na torre [da Igreja] do Carmo. Tudo ficou assustado e ninguém saiu, senão os que tinham traçado a revolução muito antes, gente da plebe e rapazes. Duas outras pessoas do povo havia dias que dispunham o negócio, tendo introduzido armas, pólvora e alavancas nas cadeias; tinham armas em suas casas e finalmente pagaram ao que se atreveu a ir dar o sinal, pedindo a chave da torre com disfarce, para umas badaladas, chamadas de parida. 
A populaça em chusma acudiu ao largo do Carmo, onde também apareceu o Governador da praça, o Coronel de artilharia portuguesa, para impedir o rebate. O povo levantou-se contra ele, obrigando-o a mandar vir a tropa que tinha ido auxiliar os franceses. Com efeito, foi [expedida] uma ordem do Governador para vir a tropa, e porque o povo desconfiava, foi ele mesmo levar a ordem e fazê-la vir para a cidade. A este tempo continuava o rebate, mas ninguém de juízo apareciapara governo. Foi preciso ir à casa dos oficiais, dos quais alguns se esconderam em suas casas; de todos só foram mais prontos, depois de chamados pelos cabeças da Revolução, um dos quais era um José, vulgarmente chamado o do Botequim, os Cabreiras, que eram três irmãos, um capitão, Sebastião Duarte Cabreira, e dois tenentes, Severo Cabreira e Belchior Cabreira. Com estes fez o povo cabeça, tomando por comandante o Capitão Sebastião Cabreira***.
Nesta confusão, em que tudo andava sem haver quem comandasse a tempo, foi a Providência quem dirigiu os caminhos para que, por acaso e sem ordem, os rapazes e alguns paisanos sem talento se lembrassem de conduzir artilharia para o Paiol da pólvora, e para defender a entrada dos franceses [na cidade]. E na verdade foi isto tanto a tempo, que uma peça pequena levada às costas de José da Palma, criado do Excelentíssimo Senhor Bispo, e o reparo puxado pelos rapazes, foi quem defendeu a cidade, aterrando os franceses, que por duas partes vinham entrando na cidade. Contra tão manifesto perigo não havia na cidade toda ponto algum tomado senão este, e pelo modo exposto, achando-se ali por felicidade um paisano que tinha sido militar, chamado José Palermo, com cinco tiros de bala, que bastaram para fazer fugir o inimigo. Alguns oficiais inferiores, que tinham vindo com a artilharia que auxiliava os franceses, em lugar de tomar este ponto mais importante, e donde havia vir decerto o inimigo, deixam este na forma dita, e vão segurar outras avenidas pelo rumor que se espalhou, que os franceses vinham por Loulé. Era boa cegueira: deixar o Paiol com o inimigo na frente, sem mais guarnição que uma peça e um paisano que a comandava, para ir segurar pontos duvidosos, e com mais força! O que é isto senão uma evidente prova que a Providência se empenhava em nos convencer que era por ela, e não pelos homens, que o inimigo havia [de] ser expulso do país. 
Enquanto por fora havia tais disposições para defender a entrada dos franceses, a fim de evitar a sua união com os de dentro, no interior da cidade em nada se cuidava menos, como se tal inimigo não houvesse, dentro e fora dela. E tal era o universal descuido e esquecimento do perigo que se levou muito a mal os tiros que se deram, porque com eles se afugentou o inimigo, que vinha depor as armas. Que desatinado discurso! Mas contudo bem prova o descuido do povo. Os factos acontecidos noutras partes bastantemente provaram a extravagância dos que assim discorriam. Rapazes com canas verdes e apupados foram os que desarmaram a guarda do General [Maurin], que então estava enfermo: à vista de uma tal tropa, largam as armas e fogem para o Quartel-General, onde se escondem às portas fechadas; os rapazes e alguns paisanos com a arma da sentinela foram os primeiros que descobriram as armas reais do armazém da Porta da Vila, que estavam tapadas com argamaça. Foi gente deste carácter a que aprisionou alguns franceses, fugitivos ou escondidos; e entretanto, a maior parte se ocupava na arrecadação do que podia haver à mão, ainda que não pertencesse aos franceses; e tanto que, na entrada que fizeram em motim e sem ordem no Quartel-General, sendo todos os trastes, coisas das muitas, que desapareceram. Então se aprisionou o General [Maurin] com João Baptista Malé, seu ajudante, e um capitão do dito General e também ajudante dele. Pediu que o levassem para casa do Excelentíssimo Bispo, que de boa vontade o aceitou, e em seu palácio esteve alguns dias debaixo da mais rigorosa prisão, sendo a Nobreza quem de dia e de noite o vigiava com sentinelas à vista. O Governo, que então já estava organizado, não pôde vencer os clamores do povo, que queria ver fora do país o General e toda a tropa francesa, ordenou que com outros oficiais fosse conduzido para Sagres, onde não chegou, por ser preciso contramandar a ordem, visto que o povo não se aquietou com isto, querendo-o fora do Reino; e também porque o povo de Lagos se amotinou logo que ali chegou a embarcação que os conduzia, custando a sustê-lo para que não o assassinassem. Foi ele e os demais conduzido portanto conduzidos para Gibraltar, onde os ingleses tomaram posse dele. Por aqui se pode ver a brutalidade destes povos, em se quererem privar de um prisioneiro que podia servir de refém. Também foram remetidos para Espanha os soldados franceses aprisionados, que ali foram postos em liberdade cuidando pouco a Espanha de prisioneiros portugueses. Parece incrível que não só a plebe instasse ao Governo por um tal procedimento, mas que pessoas caracterizadas e que deviam ter juízo fossem as que o maquinavam. O Governo conhecia a louca petição de um povo amotinado mas era preciso curar um mal com uma imprudência. 
No dia 20 foi de novo o povo convocado pelo sinal de rebate em todas as igrejas, e convocado o clero regular e secular. No Campo da Esperança apareceram as comunidades da cidade, Cabido com Excelentíssimo Senhor D. Francisco, Bispo deste Algarve. Na tarde deste dia renovou-se o rebate a que acudiu tudo, e mesmo clero armado, a quem se destinou o posto da guarda principal para ponto de união em outras semelhantes circunstâncias, onde por muitos dias entraram de guarda parte do Cabido, clero secular e regular, dando o mesmo Cabido 1200 réis às ordenanças para pelo clero fazerem os quartos de sentinela. 
No dia 22 se convocou os Três Estados para a eleição de uma Junta Provisional. Fez-se a assembleia na Igreja da Senhora do Carmo, onde se nomearam sete pessoas de cada classe para votar nos em que havia [de] recair o Governo. O Excelentíssimo Senhor D. Francisco Gomes, Bispo deste Reino, foi quem recebeu os votos, e prestou juramento aos eleitos, que foram: 

Presidente: O Conde Monteiro-Mor, Marquês de Olhão 

Deputados:
1.º O Arcediago da Sé, Domingos Maria, Comendador de Cristo 
2.º O Cónego António Luís de Macedo e Brito, Comendador de Cristo 
3.º O Desembargador José Duarte de Sá Negrão, Hábito de Cristo 
4.º José Bernardo Mascarenhas, Comendador de Santo 
5.º Sebastião Cabreira, Comendador de Cristo com 300:00 de tença 
6.º Joaquim Filipe Landerset 
7.º Miguel do Ó, Hábito de Cristo 
8.º Francisco Aleixo, Terras para 8 moios de trigo 

O Bacharel Ventura José Crisostomo, Secretário, Hábito de Cristo 


O Excelentíssimo Senhor D. Francisco Gomes foi presidente interino desta Junta, enquanto não veio o Conde Monteiro-Mor, que teve sua dificuldade em vir de Tavira, onde seus moradores se opunham, querendo-o para a sua Junta, que por isso dizia ser a Suprema. Estes obstáculos venceu o Excelentíssimo Senhor Bispo, indo com dois deputados a Tavira, onde em Câmara persuadiu todos da verdade e meios que deviam abraçar-se, em consequência do que prometeu o Conde vir para esta cidade [de Faro], o que fez três ou quatro dias depois, escondidamente, para evitar algum motim na plebe. 
Criada que foi esta Junta Suprema, criou-se uma Tesouraria Geral, para que foi nomeado Tesoureiro Geral o Capitão Ventura da Cruz; para primeiro oficial dela, José Coelho de Carvalho, e para segundo Alexandre José de Carvalho; o 1.º com vinte mil réis de ordenado, cada mês; e o 2.º com dez mil réis; ambos eles eram dirigidos por José Maria Jordão, oficial da Tesouraria Geral de Elvas, que na ocasião do levantamento estava em Lagos com dinheiro que mandava o governo francês para pagamento da tropa portuguesa, com que pretendia adoçar a amargura, temendo as consequências que já se iam manifestando. Este dinheiro foi o primeiro que entrou na tesouraria, e igualmente cinco mil cruzados que o Excelentíssimo Senhor Bispo, e outros cinco [d]o Cabido; e D. Maria da Paz oitocentos mil réis; e quatrocentos [de] José Alves. As demais gratificações que houve foram tão ténues que não merecem memória. 
Depois disto criou-se uma Junta de Fazenda, de que era 

Presidente o Corregedor Manuel José Plácido 

Deputados 
1.º Ventura da Cruz 
2.º O Cónego Manuel do Coito 
3.º O Cónego Duarte da Horta Machado 
4.º José Lopes Ferrete 

António Januário da Fonseca, secretário 


A primeira disposição que fez a Junta Suprema, tendo ainda por seu Presidente o Excelentíssimo Senhor Bispo, foi enviar a Sevilha como legado, o Cónego Manuel do Couto, para remover algumas pretensões que se suponham ter aquela Junta na união deste Reino [do Algarve] ao da Espanha por oferta que se lhe havia feito; e com efeito, depois de algumas dificuldades, concluiu o que se pretendia, ficando daí por diante em harmonia perfeita, como se deixa ver pelo facto de ter sido mandado um Tenente-Coronel anunciar a vitória alcançada de Dupont. Aqui pertence notar o excesso de jurisdição que se atribuiu a esta Junta, que tendo sido criada para prover de remédio o que dele precisasse na falta do Príncipe Regente, fazendo observar as leis do reino, queis arrogar a si o direito de soberania absoluta até ao ponto de condecorar com hábitos de Cristo alguns membros da mesma Junta; erigir em padronado real a capela do Carmo, sujeita à Mesa da Consciência, etc., ainda que por oposição do Excelentíssimo Senhor Bispo e pároco não foi avante este privilégio na extensão que se pretendia, que era tirá-la da jurisdição do pároco sem ele ser ouvido apesar de estar pendente a lide sobre tais direitos. Também foi notada de estender a mais do que devia o seu poder, separando os ofícios de magistratura e nas terras da Rainha [como era o caso de Faro e seu termo]; dando propriedade de ofícios de fazenda a quem os pedia, etc. O tempo mostrará se estas e outras coisas serão ou não aprovadas pelo legítimo Governo, que já está organizado na Corte. 
No dia 1.º de Julho às dez horas da noite se tocou a rebate na cidade, que pelas cinco da manhã do dia dois se repetiu, julgando-se confirmada a notícia de que com efeito entravam os franceses no Algarve, que já se suponham em Albufeira. Se por desgraça fosse verdadeiro o boato, que da mesma origem correu todo o Algarve, sem dúvida seriam todos vítimas, não havendo em todas as partes providência dada em termos, e só então é que se acordou do letargo em que tudo jazia, supondo-se que o inimigo, assim como se fora cheio de medo, sem ver de que, também se conservaria no mesmo terror, como se no Algarve não houvesse quem os desenganasse da existência do motivo, que os tinha aterrado e não os informasse da triste defesa que neste país faziam os seus habitantes. O descuido era universal ao país; ninguém se lembrava do inimigo senão quando ouvia o rebate, quando todos andavam diligentes nos meios de tirar vantagens de interesse particular em qualquer circunstância que se oferecia. As mesmas tropas que tinham sofrido o jugo francês, servindo com eles seis meses por um pão quotidiano, estes mesmos murmuravam e ameaçavam deserção, porque lhe faltou pagamento por dois ou três dias. E nesta disposição estavam todos; uns por egoístas, e outros por partidistas dos franceses, de sorte que o livramento do Algarve todo é de Deus, e nada dos algarvios. 
No dia seguinte ao em que os franceses se retiraram dos subúrbios de Faro e Olhão, que foi na noite do dia 19 de Junho, deixando um obus e muita pólvora junto à horta do Baeta, por caminhos diferentes dos que ordinariamente são trilhados, se conduziram para Tavira, onde chegaram na madrugada do dia 20; reunindo-se a este corpo, o que em seu auxílio vinha de Vila Real [de Santo António], com alguns artilheiros portugueses enganados, ignorando o fim para que vinham. Ajuntaram-se na Praça, onde se demoraram com as armas ensarilhadas, e ao mesmo tempo insultando, donde se inferia que eles buscavam pretexto para as hostilidades; e disto há boa prova, porque retirando-se eles de tarde, voltou logo à cidade um oficial, trazendo um capacho velho com trapos por mal na garupa, fazendo cair os mesmos trapos em diferentes lugares, por onde visto está, que o fim era dar motivo para que, insultado pelo povo, tomarem daqui ocasião de saquear, sabendo que o dito povo estava inteiramente desarmado. Por felicidade nem os mesmos rapazes deram o mais pequeno sinal de escárnio, e consequentemente foram-se sem fazer hostilidade alguma. Poucas horas depois da sua saída, tocou-se a rebate na cidade por ordem do Monteiro-Mor. Este rebate foi acelerado, e teria funestas consequências, se não fosse um mancebo, que teve a valentia de fingir-se mandado pelo dito Monteiro-Mor a fim de que de sua parte avisasse a tropa francesa, que já vinha de volta para a cidade, que não viesse se não queria efusão de sangue, pois estavam desembarcando cinco mil ingleses. Este estratagema foi a tempo, e se fez crível aos franceses, porque viam a esquadra inglesa muito chegada à terra, aumentando-se esta persecução com a certeza que levaram de Faro e Olhão, que com efeito havia tropa inglesa em terra. 
Em consequência deste fingido e amigável aviso, puseram-se em marcha pela serra, em direitura a Alcoutim e Giões; mas não puderam ir com tanta brevidade, que parte da bagagem lhe não fosse tomada pela cavalaria paisana que os foi perseguindo por duas léguas serra adentro. Passaram por Alcoutim e Giões, sem fazer hostilidade nem insultos; logo, porém, que chegaram Mértola, vila que estava ainda pelo seu partido, e onde acharam tudo o que pediam, fizeram ali os maiores insultos à religião. Entraram na Matriz, da pia baptismal fizeram salgadeira de toucinho; queimaram imagens, quebraram retábulos e as portas do sacrário, etc. 
Neste facto é muito que admirar: Parecia que semelhantes insultos teriam mais lugar em Alcoutim ou Giões, pequenos povos, onde não acharam o que pediam, e que pertenciam à província donde iam escandalizados; mas numa vila, onde tudo abundava, o governo dela era de seu partido, e onde se foram acolher, aqui é que vomitam a sua cólera, por um modo tão sensível aos habitantes? Se é muito ajuizar neste facto, diria que Deus quis castigar aquela povoação de Mértola permitindo tais insultos na Matriz pelo desprezo e pouco caso que ali se fazia do culto. As vestes sagradas eram imundas, rotas e velhas de sorte que ninguém de juízo ali queria celebrar. E para prova basta dizer que a casula rica era uma de damasco branco, feita à custa do pároco, não tendo sido possível conseguir paramento algum do Comendador, mas isto dispensava o pároco e seus fregueses de suprir de sua casa a escandalosa omissão do Comendador. Viam uns e outros a sangue frio a indecência com que ali se faziam os ofícios da religião, gastando-se aliás bastante dos reditos eclesiásticos em superfluidades escusadas; de tudo é testemunha quem isto escreve. E porque não será esta a causa de tanta profanação? A relaxação do clero de Campo de Ourique, e algumas cidades do Alentejo, é bem conhecida; e porque não será isto a causa dos desacatos cometidos naquela província? Nada disto consente no Algarve a vigilância do seu Pastor supremo, e talvez fosse por isto que os franceses neste Bispado, nem antes, nem depois da revolta, não fizessem o mais pequeno insulto à religião, nem aos povos; pelo contrário, porém, fingiram actos de católicos, não o sendo. Não devemos supor nisto que eles o faziam por eludir os povos; devemos crer que havia no seu procedimento uma particular Providência. Em todos os portos que eles guarneciam do Algarve assistiam à missa, quando consta decerto quem noutras partes não o faziam. Em Estremoz nunca o fizeram, havendo ali numerosa guarnição por diferentes vezes. Em Elvas tinha o General casa aberta de pedreiros-livres. 

À vista disto julgue o leitor como lhe parecer mais acertado, e conclua de tudo que Deus é quem livrou o Algarve de franceses, servindo como instrumento quimérico dos ingleses, e que saíram sem efusão de sangue, e sem a mais pequena profanação religiosa nem insulto feito por violência a mulher alguma. 

Feito em Faro a 4 de Novembro de 1808. 

[Fonte: Ataíde Oliveira, Biografia de D. Francisco Gomes de Avelar – Arcebispo-Bispo do Algarve, Porto, Tipografia Universal, 1902, pp. 176-196; Da quadrilha à contradança: o Algarve no tempo das invasões francesas, S. Brás de Alportel, Casa da Cultura António Bentes, 2004]. 

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Notas:



* Na margem esquerda do manuscrito original encontra-se a seguinte nota: “Testemunhas fidedignas atestam que tal sujeito não fora o que feriu este homem, achando-se naquela tarde mais de duas léguas distante dali. Os quinteiros de Bela Mandil afirmam isto mesmo. [Um] Dragão fora quem o ferira, apeando-se do cavalo, depois do golpe no braço”. 

** O comerciante Pascoal Turri, natural de Milão, residia em Faro antes ainda da revolução francesa. Nesta cidade casara e exercera a função de músico do Regimento de Artilharia n.º 2, passando a ser cônsul da França de 1803 em diante. Em 1808, quando os franceses chegaram à capital algarvia, Pascoal Turri tornou-se ajudante do Corregedor mor francês, mr. Goguet  [Cf. Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, 1941, pp. 62, 70 e 77]. Curiosamente, houve um conflito com este indivíduo antes mesmo das invasões, como se depreende do seguinte ofício do Governador do Algarve para António de Araújo de Azevedo: 

Il.mo e Ex.mo Sr.:

Por aviso de V.ª Ex.ª de 15 do presente mês participa-me V.ª Ex.ª que o Príncipe Regente Nosso Senhor foi servido que eu com toda a brevidade possível informasse o ofício que o encarregado de negócios de França lhe tinha dirigido, em data de 27 de Maio próximo passado, queixando-se das violências que se tinham praticado contra a pessoa de Pascoal Turri, Vice-Cônsul de França em Faro; o que me cumpre dizer a V.ª Ex.ª é que eu já remeti a V.ª Ex.ª a minha informação na data de quatro do presente mês, e junto a ela todos os documentos e informações a que antes procedi. 
Deus Guarde a V.ª Ex.ª 
Lagos, 22 de Julho de 1807. 
Conde Monteiro Mor 
[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª sec., 13.ª div., cx. 25, doc. 09, fl. 27].



Este incidente inclusive foi mencionado num relatório sobre a não neutralidade de Portugal, da autoria do ministro francês dos negócios estrangeiros, Mr. Champagny, datado de 21 de Outubro de 1807: 

Un consul français, que le Portugal avait reconnu et admis à exercer ses fonctions dans le port de Faro, a été arraché de sa maison par l'intendant des douanes; il a été trainé dans les cachots; il n’en est sort que pour être exilé, et le gouvernement portugais s’est refusé pendant trois mois à réparer cet outrage. 
[Fonte: Lewis Goldsmith (org.), Recueil de décrets, ordonnances, traités de paix, manifestes, proclamations, discours, &c. &c. de Napoleon Bonaparte et des membres du Gouvernement Français – Troisième Volume, Londres, Imprimerie de R. Juigne, 1813, p. 252. 


**No estalar da revolta farense, Belchior Cabreira não se encontrava nessa cidade, mas sim ao comando da artilharia portuguesa que se tinha deslocado à Meia Légua sob as ordens dos franceses, para evitar que a revolta olhanense alastrasse à cidade. É só depois de um soldado francês se dirigir à Meia Légua relatar que a população farense se tinha sublevado que Belchior regressa a Faro, junto com os seus soldados, onde foi entusiasticamente recebido, pois corria o boato de que tinha sido ferido ou mesmo morto em confrontos na Meia Légua.

Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, por Joaquim Filipe de Landerset





Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, e mais sucessos até ao fim da marcha do Exército do Sul, em auxílio da Capital


Os povos do Algarve, assim como todos os do Reino de Portugal, sempre constantes no seu carácter de fidelidade e respeito às Sagradas Pessoas dos seus Reis e Soberanos, tinham visto com grande mágoa, e até com uma dolorosa saudade, o mais amável dos Príncipes constrangido a separar-se da sua mesma capital, e a levar para além do Atlântico os destinos da nação portuguesa. Sem poderem prever as suas desgraças futuras, mas só lembrados que a política e a prudência poderiam autorizar estas medidas funestas, consolavam-se ainda com uma perspectiva agradável; porque no seu entendimento não podiam caber todos estes projectos atrozes, que o tempo depois nos revelou. O Decreto de 26 de Novembro de 1807, pelo qual se nos mandava receber com uma generosa hospitalidade o exército francês, serviu também para serenar um pouco os nossos fatais pressentimentos. Os espíritos ingénuos dos leais portugueses, ainda não imbuídos nos tenebrosos mistérios de uma política astuciosa e perversa, cuidavam [que] seriam momentâneos todos os males que devia trazer-nos a presença de uma guarnição estrangeira. Persuadiam-se que a guerra marítima, não podendo ser eterna, e sendo a ocupação de Portugal talvez um motivo de mais para acelerar uma paz por que todo o Mundo suspirava, e principalmente a Europa, nós recobraríamos por fim a nossa liberdade, e veríamos novamente restituído ao nosso território e à nossa capital o melhor de todos os Príncipes, e com ele todas as esperanças da nossa independência.
Achando-se pois em tais circunstâncias o povo português, isto é, entre os temores e a esperança, não se limitando a abrir os braços a um exército que se intitulava seu protector e aliado, procurou prestar-lhe todos os auxílios de uma verdadeira e benéfica amizade. Em pouco tempo se viu inundado Portugal de tropas estrangeiras, e a vinte e dois do mês de Janeiro de 1808 o Reino do Algarve viu também ocupadas as suas Praças e todo o seu território, pela Divisão espanhola de Coupigny, pertencente ao exército do Marquês do Socorro.
Mas todos estes preliminares não apresentavam ainda o carácter horroroso de traição, que uma feroz e simulada perfídia procurava esconder-nos debaixo dos nomes sagrados de protecção e amizade. O General Junot, julgando-se uma vez seguro na posse de todo o Portugal, publicou finalmente o formidável Decreto do 1.º de Fevereiro de 1808, e com ele, então, se descobriram todas as iniquidades que o seu infernal maquiavelismo tanto cuidado havia tido em ocultar-nos. Por este Decreto de sangue e de ignomínia se pretendia, de um só golpe, não só extinguir a Augustíssima Casa de Bragança, mas até assassinar, por assim dizer, a própria nação portuguesa, roubando-lhe a liberdade e a independência: como se um Decreto fosse só bastante para riscar das nações livres a pátria dos Nunos, Castros e Albuquerques, e destruir os sagrados direitos de um trono apoiado em seiscentos anos de glória e de virtudes!
Decretada assim a nossa escravidão, decretou-se também logo a perda de todos os nossos bens, pois não convinha que escravos fossem ricos. Em prémio ou em castigo de não havermos esmagado nas montanhas da Beira aquele exército de salteadores e de assassinos, uma enormíssima e pesada contribuição se nos impõe para resgate das nossas propriedades e fazendas: palavras não só bárbaras, mas atrozes, dignas em tudo dos séculos do vandalismo e da ignorância, e que já mais se poderiam achar nos Códigos das nações civilizadas, a não ser no Código Napoleão.
Todos estes factos, aclarando cada dia mais o grande sistema da política francesa, deram também a conhecer em pouco tempo aos espanhóis o pouco caso que se ia já fazendo da sua influência e das suas forças. O General Kellerman foi render o Marquês do Socorro no Alentejo; e as tropas espanholas evacuaram o Algarve, que nos fins de Março foi ser ocupado pela Divisão [de] Maurin, composta da Legião do Meio-Dia, de um Batalhão do Regimento 26, uma Companhia de Dragões e outra de Artilheiros, que fazendo-se senhora de todas as praças, assentou o seu Quartel-General em Faro.
Cresciam de dia em dia os insultos, roubos e crueldades; toda a classe de cidadãos gemia, murmurava e nutria, dentro do seu coração, os sentimentos de fidelidade e patriotismo, o ódio e o furor. Mas sem armas e sem auxílios, oprimidos por duas grandes nações coligadas, a prudência sufocava ainda os desejos impetuosos dos bravos algarvios. A Providência, porém, que cedo ou tarde castiga o crime e premeia a virtude, rompeu o véu que cobria o Déspota que dominava as nações, com uma aleivosia sem exemplo, praticada contra a sua mesma aliada, estimulando-a a levantar-se em massa, e obrar os maiores esforços pela sua independência. Desde então, transtornou-se a política, os tiranos principiaram a tremer, e os fiéis portugueses, ouvindo com satisfação os intrépidos acontecimentos da Espanha, cuja causa já era comum, espreitavam oportuna ocasião para manifestarem à porfia o patriotismo que os animava, encontrando a cada passo novos motivos para o seu ressentimento.
Neste tempo sucedeu no Porto a prisão do General Quesnel e mais franceses por Belestá; Junot, em Lisboa, por ardil e não por força, surpreende, desarma e aprisiona a tropa espanhola, e toma este motivo para no Edital de 11 de Junho, que faz afixar por todo o Reino, afeando o procedimento espanhol, e desculpando o seu, convidar a nação portuguesa a unir-se com ele e com as suas tropas contra aqueles mesmos cuja causa era já comum. Para isso se serve das expressões mais soberbas e arrogantes, julgando talvez que desta sorte correriam voluntariamente às armas, anelando a honra de serem companheiros dos valorosos soldados de Marengo, Austerlitz, Jena e Friedland, não reflecte que semelhante política era um motivo de mais para encolerizar o nobre carácter português, que não sofre no valor e brio quem se lhe anteponha.
A experiência provou logo esta verdade, pois que afixando-se o referido Edital ao lado da porta da Igreja Matriz de Olhão, pequena terra de pescadores no Algarve, uma légua distante da cidade de Faro, no solene e memorável dia 16 de Junho de 1808, em que a Igreja celebrou a festa do Corpo de Deus, indo para a missa o Coronel José Lopes de Sousa, que vivia retirado na mesma terra, e notando o concurso do povo atento à sua leitura, com intrépida resolução rompe por entre ele, lança mão do papel afixado, rasga-o, pisa-o, e voltando-se para o povo cheio de entusiasmo, lhe increpa o sofrimento, duvidando que fossem portugueses. Gritam todos que o eram e estavam prontos a mostrá-lo, dando as vidas pela Religião, pelo Príncipe e pela Pátria. Nisto sabem que principia a missa, entram na Igreja, e durante ela sente-se o continuado sussurro dos circunstantes. Acabado o Santo Sacrifício, e saindo o dito Coronel, o povo, que tinha concorrido, excitado com a novidade deste excesso, grita em altas vozes que quer ser livre, que ele [José Lopes de Sousa] os comande, que se arvorem as nossa bandeiras; e fazem ressoar os vivas à nossa Augusta Soberana, ao nosso Príncipe, e a toda a Real Família. Aceita o Coronel a eleição, e para mais afervorar o entusiasmo, faz logo arvorar as reais bandeiras. Manda igualmente recolher da barra da Armona duas peças de 6 com os Artilheiros de Pé do Castelo que as guardavam, e a pólvora que havia no Paiol da próxima fortaleza de S. Lourenço, e envia a um João Gomes Pincho, com ofício, ao Comandante da Esquadra inglesa que se achava fundeada em frente do lugar da Figueirita, em Espanha, pedindo-lhe o auxílio de armas e munições. Entretanto, não cessavam os sinos de tocarem a rebate, convocando os povos das serras e as Ordenanças de Cavalo, que num momento acodem à ordem do seu Capitão José Martins da Beira, assistente [=residente] no mesmo lugar de Olhão. Assim, com tão poucos meios para a defesa, estando a maior parte do povo inerme, e outra mal armada, empreende atrevidamente sustentar-se e repelir os ataques do inimigo, fazendo postar guardas avançadas. 
Antes deste facto, na noite de 12, festejando a festa do dia de Santo António, haviam os de Olhão aclamado o Príncipe Regente Nosso Senhor, e arvorado a bandeira portuguesa no tope de um grande mastro enramalhetado, que cravaram na terra, à roda do qual, de mistura com os cânticos que usam dedicar ao Santo, fizeram ressoar os vivas à Sereníssima Casa de Bragança: e foi tão geral o contentamento, e forte o entusiasmo de que se possuíram ao verem as Reais Quinas, que a terem então quem os dirigisse, teriam voado às armas, como fizeram três dias depois.
É bem para notar-se como ao mesmo tempo, nos dois extremos de Portugal, sem saberem uns dos outros, se repetia em altas vozes o nome do nosso amável Príncipe, dando-se princípio à Restauração da Monarquia. Pois quando neste dia na província de Trás-os-Montes o Tenente General Sepúlveda fazia aclamar a Augusta Soberana e o Príncipe Regente Nosso Senhor, como se os ecos retumbassem nas Praias de Olhão, soavam novamente nelas estes respeitáveis e amados nomes, que saíam dos corações dos marítimos seus habitantes.
Neste tempo, por contra ordem que recebeu, como se soube por uma carta apreendida na Junta Provisional de Faro, achava-se o Coronel Maransin em Mértola com a Legião do Meio-dia, apesar de não se ter verificado a sua reunião com três a quatro mil homens que deviam sair de Lisboa, assim como a marcha combinada com o Exército de Dupont sobre Sevilha. Igualmente se achava a maior parte das forças do Batalhão n.º 26 em Vila Real de Santo António, pelo receio da vizinhança da Armada inglesa que escoltava o comboio que conduzia as tropas do General Spencer, havendo restado só em Faro duzentos soldados franceses destinados para guarda do General Maurin, que estava gravemente enfermo.
No dia 17 pela manhã fez-se público em Faro o acontecimento do dia antecedente em Olhão. O Corregedor Mor francês, conhecendo as poucas forças que tinha para sossegar aquele lugar, e que pela distância em que estavam as demais tropas tardaria o auxílio, receando além disto que Faro também se declarasse, fez chamar o Corregedor, Juiz de Fora, o Coronel de Artilharia, e o Major Joaquim Filipe de Landeset, e pretendendo que o dito Major passasse ao mencionado lugar, a fim de restabelecer a tranquilidade, prodigalizou-lhe para isto toda a qualidade de promessa, as quais todas ele recusou, pretextando motivos para escusar-se, como conseguiu. Então, o Corregedor lhe pediu que o informasse do espírito dos habitantes de Faro; e respondeu-lhe o mesmo Major que não; porque não se admiraria que não só Faro, mas todo o Algarve e Reino se levantasse, tendo eles franceses dado tantos motivos para descontentar a nação. Ao que replicou de novo o Corregedor Mor: “Que todos estes males seriam depois recompensados com os grandes benefícios que Napoleão o Grande faria a Portugal, quando viesse o novo Rei”. Mas ele, finalmente, lhe respondeu: “Que os portugueses julgavam o futuro pelo presente, e que mais queriam ser governados pelo seu Príncipe que pelo maior Monarca do Mundo”. Concluída desta sorte esta conferência, em todo o dia procurou sem efeito o mesmo Corregedor Mor algumas pessoas que se encarregassem de tranquilizar Olhão e manter o sossego de Faro, enquanto expedia ordens, como depois se soube, para que a marchas forcadas se reunissem todas as forças sobre Olhão e Faro. 
Na noite deste mesmo dia chegou ao dito lugar de Olhão o enviado João Gomes Pincho com cento e trinta espingardas que recebeu da Junta de Ayamonte, a quem tinha recorrido por não ter o chefe da Esquadra inglesa aquele abastecimento. Em sua companhia veio então o Capitão de Milícias de Tavira, Sebastião Martins Mestre, a quem tinha encontrado a bordo da mencionada armada na diligência de semelhante requisição, que muito judiciosamente tinha ido fazer, a fim de aproveitar a ocasião oportuna contra os inimigos da pátria.
No dia 18 de manhã, constando ao Coronel José Lopes de Sousa que vinham embarcados os franceses da Guarnição de Tavira em três caíques para reforçarem a de Faro, e sendo instado pelo povo para que os fosse atacar, nomeou para esta expedição o Capitão Sebastião Martins Mestre, o qual, com alguns paisanos armados num caíque, atacando subitamente os inimigos, rendeu os três caíques, aprisionando setenta e sete Soldados, três Oficiais de patente, e um Quartel Mestre, todos da Legião do Meio-dia, com uma grande quantidade de bagagens, que tudo conduziu ao porto de Olhão. Sabendo-se logo depois, que vinham marchando por terra cento e oitenta e cinco Granadeiros e Caçadores da mesma Legião, da Guarnição de Vila Real [de Santo António], e querendo o povo influído correr novamente a atacá-los, o mesmo Capitão os conduziu ao combate, o qual se principiou a meia légua do lugar, no sítio da ponte de Quelfes, sendo por fim o inimigo acossado e perseguido, com perda de alguns soldados, que ocultou. Da nossa parte só houve um velho morto fora da acção e dois rapazes.
Este Corpo de Granadeiros e Caçadores franceses reuniu-se a meia légua de Faro; e dando o seu Comandante logo parte do sucesso ao Capitão de Artilharia francês encarregado pela moléstia do General da direcção das Tropas, este fez marchar um obus conduzido por alguns Artilheiros franceses, e ordenou ao Coronel de Artilharia Caetano António de Almeida que mandasse dois Oficiais com duas peças e cinquenta soldados para a Quinta do Rio Seco, um quarto de légua distante de Faro; medidas absolutamente de defensiva, para evitar a reunião do povo de Olhão com o de Faro, já a esse tempo sobejamente irritado com a notícia de ter corrido sangue português. Foi então nomeado para Comandante das ditas tropas o Tenente Belchior Drago Cabreira, o qual, recusando publicamente aceitar o comando, como impróprio do carácter português e de fiel vassalo, e com outras expressões que lhe fazem a maior honra, por fim o aceitou, manifestando a sua repugnância. Protestou, porém, que se chegasse a haver acção contra os seus patrícios, tomaria o acordo que lhe inspirava a sua honra e o seu patriotismo; para o que já levava a gola com as Armas Reais.
No memorável dia 19 de Junho, receoso o Capitão francês do espírito irrequieto dos habitantes de Faro, e sabendo talvez que nesse dia não podia ser auxiliado pelo Corpo da Legião do Meio-dia, que só a vinte, como veremos, entrou em Tavira, se afoitou a adiantar-se das suas tropas em direitura do caminho de Olhão; e logo que avistou uma pequena guarda avançada de alguns paisanos, a distância quase de tiro de espingarda, acenou-lhes com um lenço, chamando-os com muita confiança. Três destes paisanos, notando esta franqueza, resolveram caminhar para ele, a fim de saberem o que pretendia. Querendo-se pois aproveitar da ocasião, entrou a persuadir-lhes, da forma com que se pode fazer entender, que o General francês estava pronto a perdoar àquele povo, logo que ele se tranquilizasse e reconhecesse o Governo francês; que a pesca havia de ser favorecida, e todos seriam indemnizados dos males que haviam padecido; que bem conhecia, enfim, que o autor de tudo era o Coronel José Lopes de Sousa, mas que deste mesmo nada pretendia, senão que ele se ausentasse daquele lugar. Os paisanos responderam-lhe que dariam parte ao povo, e que ele não teria talvez dúvida de anuir ao que se lhe oferecia, sendo a promessa afiançada pelos Ministros portugueses.
Contente o Capitão com esta resposta, voltou a Faro, e fez chamar a casa do General o Corregedor, o Juiz de Fora da terra e o Major Joaquim Filipe de Landerset, e contou-lhes o sucedido, ordenando aos Ministros que o acompanhassem para falarem às pessoas que o mesmo povo havia de enviar para tratar a composição, e ao Major para que servisse de intérprete entre ele e os Ministros. Procurou quanto pôde o dito Major escusar-se, mas sendo forçado a partir, assim mesmo se demorou tempo bastante para protestar a violência que se lhe fazia. Chegando finalmente ao lugar em que estavam as tropas portuguesas que comandava o primeiro Tenente Belchior Drago Cabreira, renovou os seus protestos perante ele e a tropa, dizendo que só ia servir de mero intérprete, e que não ficava responsável pelas promessas e boa fé dos franceses, em quem não confiava. O Capitão francês, mal chegou à Quinta chamada do Chantre, a meia légua de Olhão, e a pouca distância da sua tropa, mandou por um paisano português avisar o povo, o qual com pouca demora enviou algumas pessoas em que confiava. Depois de terem conferido, e de lhes serem anunciadas pelos Ministros as mesmas promessas ditadas pelo Capitão, todos se mostravam inclinados à pacificação, declarando o deplorável estado em que se viam por falta de mantimentos, e por não terem quem os dirigisse militarmente, havendo na noite antecedente o Coronel José Lopes de Sousa e o Capitão Sebastião Martins Mestre passado à Espanha, a pedir auxílio à Junta de Sevilha e Ayamonte, e achando-se neste meio tempo governados pelo Prior daquele lugar de Olhão, cujo zelo e patriotismo eles tanto louvavam. À vista destas razoes, concluíram por fim que mandariam no dia seguinte a Faro pessoas capazes para tratarem definitivamente. 
Enquanto isto se passava, o espírito dos habitantes de Faro cada vez mais se acendia, chegando ao maior auge de calor com o falso rumor, que se espalhou, de se haver principiado o combate contra Olhão, e de que as tropas portuguesas tinham tomado o partido da sua nação, havendo ficado o Tenente Belchior Drago Cabreira ferido ou morto. Então, um tendeiro, Bento Álvares Penedo, com mais alguns bem dignos de memória, prometem seis mil e quatrocentos réis a um homem de ganhar, vulgarmente chamado Maneta, para que, subindo à torre [da Igreja] de Nossa Senhora do Carmo, tocasse a fogo; o que ele executou, pedindo a chave da torre com o disfarce de ir dar umas badaladas que se usam para excitar a devoção dos fiéis a orarem pelo bom sucesso de alguma mulher em parto. Mal se começou a tocar a fogo, levantou-se o povo, e correndo ao largo do Carmo, onde apareceu o Coronel português Caetano António de Almeida, lhe disseram que fizesse recolher as nossas tropas. Ele imediatamente escreveu ao Tenente Belchior Drago Cabreira, ordenando-lhe que se retirasse à cidade, que estava levantada; e se encarregou desta ordem e ofício o Escrivão do Hospital Militar Timóteo José Lobo. Apenas o dito Tenente recebeu este aviso, pôs a gola em que estavam abertas as Armas Reais, e com louvável resolução mandou chegar a postos, e marchou sobre Faro. À estrada veio logo recebê-lo grande número de povo, que perseguindo alguns franceses fugitivos, e trazendo adiante muitos rapazes com canas verdes alçadas, assim entrou em Faro aclamando por todas as ruas a Augusta Soberana, o Príncipe Regente Nosso Senhor e toda a Família Real. A esse tempo já seus irmãos, o Capitão Sebastião Drago Cabreira, a quem o povo nomeou para seu Comandante, e o Tenente Severo Cabreira, andavam entre o povo animando-o para a defesa, e todos, logo que souberam que os franceses vinham marchando sobre a cidade, possuídos da maior ânsia e valor, correram ao campo, com as suas forças que se lhes ajuntaram, e arrastaram peças às estradas por onde podiam vir os franceses.
É neste tempo informado o Capitão de Artilharia francês por um piquete do levantamento do povo de Faro, e ordena que logo marchem as suas tropas sobre a cidade, vistas as intenções pacíficas dos habitantes de Olhão. Percebendo isto o Major, e retirando-se à parte com o medo de ser suspeito, avisa da novidade aos enviados daquele lugar, e aconselha-lhes que voltem ao povo, e o persuadam a que todos peguem em armas. Imediatamente, montou o Capitão a cavalo em companhia dos Ministros e do dito Major; o qual, conhecendo o iminente perigo em que se achavam entre semelhante gente, usa do estratagema, estando já próximo da cidade, de se oferecer, juntamente com os Ministros, para pacificar o povo. Depois de algumas instâncias conseguiu enfim separar-se, e tomou com os Ministros a estrada de S. Luís, por onde marchavam os franceses a passo acelerado. Achava-se o Capitão Sebastião Cabreira e seu irmão o primeiro Tenente Belchior Drago Cabreira com algumas peças sobre um alto que descobria aquela estrada. Aparecendo os franceses, apesar de pouca gente que havia na bateria, com intrépido valor e patriótico zelo atiraram sobre o inimigo, fazendo-lhe um fogo tão vivo que o obrigaram a retirar-se, entrando por baixo do mesmo fogo na cidade os ministros e o sobredito Major. O inimigo tomou outra estrada, na qual, achando a mesma resistência da parte do primeiro Tenente Severo Cabreira, amedrontado, abraçou o partido de mudar de projecto, deixando exposto o seu Quartel-General ao furor popular, e com tal precipitação que abandonou o obus que trazia.
Enquanto sucedia isto no campo, parte do povo que estava dentro na cidade soltando os presos do calabouço correu ao Armazém da Praça, prendeu os franceses que o guardavam, e, arrombando as portas, se armou com as armas que aí encontrou. Haviam feito o mesmo ao Paiol da Pólvora, enquanto outra parte dele se dirigia ao Quartel-General, a tempo que, voltando do campo o Capitão Belchior Drago Cabreira depois de rendida a Guarda que foi o primeiro Oficial, que deu a voz de prisão ao General, a quem tomou a espada o Sargento de Ordenanças Manuel José, a qual entregou na Junta Provisional do Algarve ao Excelentíssimo Capitão General seu Presidente. Então o mesmo povo passou a prender todos os franceses que encontrou pelas ruas e casas, fazendo-se uns noventa prisioneiros, sendo incluídos neste número o General [Maransin], um Ajudante de Ordens seu irmão, o Comissário de Guerra, um Cirurgião, e mais alguns oficiais.
Todo este dia e noite se esteve no campo debaixo de armas, esperando que o inimigo com forças superiores empreendesse a invasão da cidade,  e quisesse libertar o seu General. Era geral o patriotismo, e todos se mostravam animados do maior valor, empregando-se uns em vigiar o campo, e outros na tranquilidade da terra, distinguindo-se todas as classes de cidadãos, como o Beneficiado João de Deus, o Prior da Sé, o Quartel-Mestre Pedro Coelho, o Tenente de Milícias Manuel Francisco, o segundo Tenente Lázaro Moreira Landeiro, o Cadete António José Nogueira, o Ajudante da Praça Francisco Correia da Silva, Sebastião da Ponte Duarte Negrão, e outros muitos. O Capitão Sebastião Cabreira, concorrendo muito para a boa ordem e sossego dos habitantes, diz tudo com a melhor ordem para a defesa. O povo manifestou toda a confiança que dele fazia, mostrando-se dócil a tudo que lhe ordenara, acalmando no seu furor e não matando mas antes prendendo somente os que se lhe rendiam. Nesta ocasião foi que o mesmo povo o distinguiu com um penacho encarnado, que lhe deram por divisa, bem como fizeram aos dois outros seus irmãos, e ao depois ao Coronel de Milícias da mesma cidade, Damião António de Lemos, ao Major Joaquim Filipe de Landerset, a Sebastião Duarte da Ponte Negrão, e a Custódio José de Oliveira Cabral; outro igualmente ofereceram ao Excelentíssimo Capitão General Conde Monteiro Mor, D. Francisco de Melo da Cunha, quando veio a Faro.
No dia 20, das seis para as sete horas da manhã, congregando-se no Campo da Esperança o Corpo da Magistratura e do Clero com o Excelentíssimo Bispo D. Francisco Gomes, as Ordens Religiosas, a Nobreza e Povo de Faro, dispondo o Capitão Sebastião Drago Cabreira as tropas em forma, se reaclamou solenemente a Augusta Soberana, o Príncipe Regente Nosso Senhor e toda a Sereníssima e Real Casa de Bragança. Acabada esta solenidade, o dito Capitão com a Câmara e seus competentes Magistrados deliberaram participar-se às outras Câmaras das cidades e vilas do Algarve a gloriosa e sempre memorável Restauração da cidade, rogando-lhes [que] quisessem imitá-la, concorrendo todos os povos para a defesa e expulsão do inimigo comum. Desta diligência até à cidade de Lagos se encarregou Sebastião Duarte da Ponte Negrão, que desempenhou com grande actividade e inteligência, fazendo em quarenta e oito horas que todo os Povos reconhecessem a legítima Soberania, animando-os à defesa e evitando as desordens em tais circunstâncias. O Excelentíssimo Bispo, como bom prelado e fiel vassalo, escreveu da sua parte para o mesmo fim a todos os párocos do Bispado, e ainda mesmo aos do Alentejo, co-vizinhos do Algarve, mostrando em toda a ocasião do perigo, o zelo de que era animado pela causa da religião e da Pátria.
Concluída a referida conferência, assentando-se ser necessário para o êxito feliz da reunião dos povos que toda a qualidade de cidadão usasse de um divisa, cominando-se de traidor o que recusasse trazê-la, se propôs ao Comandante de Campo Sebastião Drago Cabreira e ao Governador da Praça Caetano António de Almeida, que resolveram publicar-se em bando para que todo o indivíduo de qualquer qualidade, estado ou graduação que fosse, pusesse no braço direito um laço de fita encarnada, com pena de ser reputado traidor e inimigo da Pátria não o pondo. Esta [é] a origem da divisa adoptada em todo o Reino do Algarve, e que à sua imitação seguiu a província do Alentejo, e que agora condecora o Exército denominado do Sul.
Neste mesmo dia houve um rebate falso, por se dizer que marchavam contra Faro as forças reunidas da Legião [do Meio-Dia] e [do] batalhão n.º 26. Então se viu o que podia o entusiasmo patriótico, pois não havendo senão muito poucos soldados, o Povo concorreu todo a tomar armas e a esperar o inimigo com o exemplo do seu virtuoso Bispo, que apareceu no campo abençoando a todos os fiéis portugueses que o amor da Religião e do Príncipe tinha reunido. A Nobreza da terra requereu o lugar mais arriscado, que logo foi ocupar. Os Religiosos pediram armas. O Cabido guarneceu a Guarda Principal com parte do Clero, e outra parte foi para o campo.
Pela madrugada entrou em Tavira a Legião de Maransin, vinda de Mértola, a que pouco depois se juntaram os Granadeiros e Caçadores acossados de Faro, a quem lhe participaram o levantamento daquela cidade, a prisão do General e mais tropa, e a perda de todas as suas bagagens em Olhão. Furioso com esta notícia, convocou a conselho alguns Oficiais para se decidir se deveriam ou não saquear a terra e apreender o General português [Conde Monteiro mor]; mas não se deliberou aisto pela quietação e sossego em que se via o Povo. Para o incitar destacou patrulhas de Oficial para todas as ruas, as quais maltratavam e ofendiam os que encontravam; porém todos se mostravam pacíficos, sofrendo tudo sem se alterarem. Neste tempo achava-se próxima à barra de Tavira a esquadra inglesa, e receando os franceses que eles pretendessem desembarcar, se resolveram a retirar-se para a serra da parte de Castro Marim, havendo feito primeiro alto à saída da cidade, e obrigando a voltar um Ajudante de Cirurgia com um capacho velho em lugar de mal, de cuja ridícula figura o povo e rapazes não fizeram o menor caso. Teriam andado um quarto de légua, quando o povo principiou a inquietar-se: do que deu parte o Juiz Vereador ao Excelentíssimo Conde Monteiro Mor. Então este honrado fidalgo, ouvindo isto, e porque já sabia do levantamento de Faro, desejando aproveitar-se do primeiro momento para manifestar a fidelidade e amor que professava ao seu Príncipe e o patriotismo de que era animado, ponde de parte a consideração do perigo da sua família, que se achava em Lisboa, com intrépida resolução lhe responde nestes termos expressivos: Então toquem já a rebate. E logo, apesar de se achar enfermo, saiu do seu Palácio, pondo-se à testa do Povo que concorria a unir-se-lhe, animado com a sua presença, e dando todas as providências para a pronta defesa da cidade. Na madrugada do dia 21 o mesmo Excelentíssimo General saiu a explorar o campo na distância de meia légua, e encarregou ao Capitão João Ribeiro Lopes, que servia de seu Ajudante de Ordens, da organização do Regimento de Infantaria n.º 14, Milícias e Ordenanças, e da defesa de Tavira, pelo grande conceito que formava deste Oficial. Houve pouco depois um rebate por ir o Comandante Berhier com o corpo do seu comando, que estava em Vila Real [de Santo António], reunir-se com o do Coronel Maransin. Mas o Ajudante de Milícias António Pedro de Brito e o Cadete Pedro Alexandrino Pereira da Silva, por ordem do Excelentíssimo General, foram ter com ele, dizendo-lhe que os ingleses tinham desembarcado em Tavira, e da parte do seu General o avisavam disto por poupar saque; o que ele muito lhes agradeceu, retirando-se precipitadamente pelas fazendas fugidas das estradas, e indo reunir-se à Legião do Meio-Dia, que estava nas serras. De tarde houve outro rebate falso, e saiu o Excelentíssimo General; e por se dizer que por outra estrada vinha o inimigo, mandou o mesmo Capitão João Ribeiro Lopes averiguar e explorar a sua marcha, enquanto ele ficava no lugar da reunião das forças, para as repelir.
Neste mesmo dia [21 de Junho] foi reconhecido o legítimo Governo em Castro Marim. E pretendendo entrar nesta vila uma companhia [francesa], que vinha de Alcoutim a unir-se com o Coronel Maransin, foi repelida, fazendo-se fogo sobre ela dos baluartes e mais lugares que se julgaram a propósito guarnecer. Achavam-se nestes baluartes João da Guarda e seus irmãos António Fernando, Francisco de Paula e José da Guarda, Oficiais do Regimento de Infantaria de Tavira, o Cadete da mesma Sebastião da Guarda, e o Capitão de Milícias António José Nogueira Mimoso. Já o inimigo se havia retirado; mas sabendo o Capitão de Ordenanças, Silvestre Falcão, que ele ainda se mantinha na serra, passou a atacá-lo com admirável intrepidez e patriotismo, acompanhado de Ordenanças com espingardas caçadeiras e chuços, e aprisionou um Oficial e quarenta e cinco soldados. Depois deste sucesso, o Capitão António Rodrigues Bravo, que havia concorrido para animar o Povo, tomou sobre si a cuidada defesa e segurança da terra, juntamente com o Governador Ricardo José Ferreira, e João da Guarda, em que mostraram assaz zelo e actividade.
Em Faro tornou a haver neste dia um rebate falso, o que era frequente quase todos os dias, por notícias que se espalhavam da marcha de tropas inimigas, e o mesmo sucedia em toda as mais terras que tinham felizmente aclamado Sua Alteza Real. Mas o que houve de mais notável foi a proposta que ao Capitão Sebastião Cabreira fez o Cónego António Luís de Macedo, do quanto convinha ao interesse público formar-se um governo, que, sendo composto de indivíduos patriotas e inteligentes, deliberasse e resolvesse activamente o que fosse a bem da defesa e segurança dos povos. O mesmo Cónego se incumbiu logo de fazer a proclamação ao povo, a qual, lendo-se em público, foi geralmente aprovada. 
No dia 22 se procedeu em Faro à criação da Junta, nomeando para isto a Câmara sete Deputados da Nobreza e sete do Povo, o Reverendo Cabido sete Eclesiásticos e o Corpo Militar sete Militares. Estes vinte e oito Deputados, juntos na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, e presididos pelo Excelentíssimo Bispo, depois de orarem a Deus Nosso Senhor, e Sua Excelência lhes haver feito uma breve mas expressiva oração análoga ao presente acto, passaram logo a dar um solene juramento nas mãos do respeitável Prelado, pelo qual prometeram votar segundo as suas consciências e as suas luzes em todas as pessoas que julgassem mais capazes e dignas de se elegerem para o alto emprego que se lhes destinava, escolhendo dois indivíduos de cada uma das classes acima referidas. O Escrivão da Câmara, com assistência do Corregedor e Juiz de Fora, passou consequentemente a escrever os votos que cada um ia dar ocultamente numa mesa que para isso estava preparada; e concluída a cerimónia, pela pluralidade dos mesmos votos se leu em público a eleição, que o mesmo Povo que se achava presente aplaudiu e aprovou. Os indivíduos eleitos para a Junta foram:
Da parte do Clero, o reverendo Arcediago da Sé, Domingos Maria Gavião Peixoto, e o Cónego António Luís de Macedo e Brito;
Do Corpo Militar, o Major Joaquim Filipe de Landerset, e o Capitão Sebastião Drago Cabreira;
Da Nobreza, o Desembargador José Duarte da Silva Negrão, e José Bernardo da Gama;
Do Povo, o negociante Capitão de Ordenanças Miguel do Ó, e Francisco Aleixo;
e para Presidente, o Excelentíssimo Capitão General, Conde Monteiro Mor, e interinamente o Excelentíssimo Bispo.
Fez-se depois na praça da mesma cidade, em presença da tropa e povo que o Capitão Sebastião Cabreira tinha convocado, novamente publica a dita eleição, a qual todos unanimemente aprovaram, ressoando os vivas à Augusta Rainha e ao Príncipe Regente Nosso Senhor. Passaram então todos os Deputados nomeados, com o Excelentíssimo Bispo, à Igreja da Esperança, a render graças ao Altíssimo; e havendo tomado posse dos seus empregos, enviaram imediatamente uma Deputação ao Excelentíssimo Capitão General Conde Monteiro Mor, dando-lhe parte da criação da Junta, e rogando-lhe [que] quisesse aceitar a Presidência; para o que se lhe remeteu uma cópia autêntica do Auto original que se havia lavrado. Como as circunstâncias eram tais que não admitiam a menor demora, enquanto o Excelentíssimo Presidente não vinha tomar posse e exercer as funções do seu Ministério, a Junta com o Excelentíssimo Presidente interino positivamente decretou todas aquelas providências que instavam os preciosos socorros, tanto para a defesa, como para a manutenção das tropas que se iam organizando, mandando já emissários a Gibraltar e a Espanha, a pedir auxílios de armas e munições, como oficiando às Câmaras e Ministros de todo o Reino, a fim não só de reconhecer a soberania da criação da Junta em nome de Sua Alteza Real, mas [também] para a pronta arrecadação de todos os fundos públicos de qualquer natureza.
No dia 22, continuando o Excelentíssimo General em Tavira a dar todas as disposições militares de defesa e de política para a tranquilização dos Povos, correu notícia de que a grande coluna de Maransin caminhava contra esta cidade, para o que determinou ao Capitão José Ribeiro Lopes [que] fosse indagar e realizar esta notícia, o qual, chegando até à Conceição [de Tavira], uma légua distante, voltou desfazendo o rumor público. Ao mesmo tempo, os Paisanos das serras tomaram parte da bagagem do inimigo que passava pelas mesmas serras, conduzindo-a à dita cidade, que ficando tranquilizada pelas notícias do sobredito João Ribeiro Lopes, se amotinou na noite de 23, por se dizer que três mil homens estavam na distância de duas léguas e meia. Continuando a vogar esta notícia, o Excelentíssimo General determinou [que] se tirassem cem espingardas de todos os corpos, para se formar um destacamento de reforço para o sítio do Almargem, onde já havia uma pequena guarda avançada, com duas peças de artilharia que tinham ido de Faro. Apesar da maior exacção na execução desta ordem, incumbida ao dito Capitão José Ribeiro Lopes, apenas se puderam descobrir sessenta espingardas, com as quais formou a guarda de reforço comandada pelo Capitão Francisco de Paula Soares. Nesta ocasião, assim como em todas as outras antecedentes, foi geral o entusiasmo em todo o Povo de Tavira, bem como se manifestou no de Faro e nas mais terras ameaçadas pelo inimigo, concorrendo igualmente todas as classes de cidadãos com extraordinário zelo e inflamado patriotismo para a defesa da Pátria e restauração da legítima Soberania da Augustíssima Casa de Bragança. Enquanto porém o Povo, com o Excelentíssimo General à sua testa, se dispunha para repelir o inimigo, pelas exactas averiguações que depois se fizeram, se soube que ele tinha passado mais alto, temendo o Povo levantado em massa, e os ingleses que ali se supunham; motivo porque passaram à serra e se encaminharam a Mértola, desamparando todo o Algarve. 
Desta sorte, e tão gloriosamente livre já do poder do inimigo Tavira e todo o Reino do Algarve, e havendo-se por todas as terras dele reclamado o saudoso e Augusto nome da Rainha Nossa Senhora e do Príncipe Regente Nosso Senhor, cuidou logo o Excelentíssimo General na defesa e segurança do Reino, mandando todos os Governadores e Chefes dos Regimentos da primeira e segunda linha que organizassem prontamente os seus corpos, e aprontassem as armas que os franceses tinham inutilizado. Enviou o marítimo Nicolau Martins do Rego a pedir auxílio de armas e munições ao Governador de Gibraltar, o qual trouxe da dita Praça, no dia 26, setecentas espingardas, quatrocentas arrobas de pólvora, uns caixotes de balas e um barril de pederneiras, as quais espingardas, [juntamente] com oitocentas que no dia antecedente havia entregado o Capitão Sebastião Martins Mestre, que recebera da Junta de Sevilha, fez distribuir com prontidão pela Tropa e Milícias do Algarve, mandando um maior número delas para a vila de Castro Marim, por estar mais exposta. Igualmente fez remeter para a aldeia de Cachopo grande quantidade de munições, onde se levantou uma Companhia de Caçadores voluntários, todos daquele sítio, que sendo comandados por dois Capitães de Milícias, se encarregou o Tenente António Fernando da Guarda de os instruir sobre todas as coisas relativas à defesa. Ordenou ao Capitão João Ribeiro Lopes [que] chamasse o Engenheiro que achasse mais capaz para o incumbir da segurança da serra de Tavira, e persuadindo-se que as qualidades requeridas se davam no Capitão António Vaz Velho, foi este encarregado dela, o que cumpriu com a maior actividade e inteligência, postando guardas em todos os lugares mais susceptíveis de defesa, e convocando para este efeito os Caçadores da mesma serra, a quem instruiu nas suas obrigações. Além destas providências, deu finalmente o Excelentíssimo General ainda outras muitas, as mais bem acertadas e próprias das actuais circunstâncias. 
No dia 26 de Junho, o Excelentíssimo General foi para Faro tomar posse do seu lugar de Presidente da Junta Provisional do Algarve, não tendo podido ir antes não só por ter sido ali necessária a sua presença para animar e providenciar a defesa no tempo em que Tavira era ameaçada com frequentes rebates, mas [também] para tranquilizar o Povo nos seus levantamentos contra aqueles que, muitas vezes por frívolos motivos, julgavam suspeitos de partidistas franceses. Em todos estes terríveis conflitos soube por mil maneiras evitar infinitas desgraças, impedindo que se derramasse o sangue; pois tanta era a confiança e amor que o Povo lhe tinha, que neste dia, julgando Sua Excelência necessário ausentar-se, se viu obrigado a fazê-lo arrebatadamente, acompanhado somente do seu Secretário Francisco Eusébio Pereira da Silva, vendo o mesmo Povo então mais acalmado. Para este efeito, já ele, na presença da Câmara, que se havia convocado para aclamar a Rainha Nossa Senhora e Sua Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor, o tinha persuadido por um discurso verdadeiramente eloquente do quanto convinha a sua assistência em Faro; concorrendo também nesta ocasião para que a Junta que se ia a criar na cidade de Tavira, e que o queria também por Presidente, reconhecesse a superioridade da de Faro. À providência e talentos do mesmo Excelentíssimo General se devem igualmente todas as boas disposições das outras terras, que não obstante ciosas da mesma regalia, todavia se sujeitaram à Junta Suprema, evitando-se assim, talvez, uma guerra civil entre os Povos, que não só frustraria toda a sua glória, mas que poderia dar mil ocasiões ao inimigo de se aproveitar com vantagem das nossas desordens.
Antes porém que se ausentasse da cidade de Tavira, deu as providências que julgou necessárias para a defesa e segurança pública dela, encarregando ao Capitão João Ribeiro Lopes deste importante objecto, a quem declarou por seu Ajudante de Ordens na presença da mesma Câmara, para ser como tal reconhecido. Este oficial desempenhou o conceito que dele se fazia, devendo-se-lhe entre outras coisas a economia da despesa que empregou na construção das duas baterias da Asseca e ponte de S. Lázaro o Engenheiro Baltazar de Azevedo Coutinho, que se houve também nesta ocasião com muito zelo e actividade.
Apenas chegou a Faro, [a]o Excelentíssimo General se lhe apresentou no dia 27 à noite o Corregedor de Beja, e informando-o da desgraçada sorte daquela cidade, atacada e saqueada pelas Tropas francesas que tinham evacuado o Algarve, lhe pediu o auxílio de forças militares que a defendessem de um novo insulto. Eram tão críticas neste tempo as circunstâncias em que se via o dito Reino, que principiavam apenas a organizarem-se os Regimentos, e por não constar ainda ao acerto a heróica resolução das províncias do Norte, era de recear [que] voltassem a atacá-lo forças superiores do inimigo. Não obstante, o Excelentíssimo General, desejando consolar e animar os infelizes habitantes de Beja, mandou logo para esta cidade um destacamento de trezentos homens com quatro peças de artilharia, comandado pelo Coronel José Lopes de Sousa, que levou às suas ordens o Capitão Sebastião Martins Mestre. Para isso foi necessário tirarem-se cem soldados do Regimento de Infantaria n.º 2, que a este tempo só tinha trezentos; sessenta do Regimento n.º 24, que tinha pouco mais de duzentos; quarenta artilheiros do Regimento n.º 2, e cem ditos avulsos de Vila Nova de Portimão.
Apesar do estado de poucas forças em que se achava o Reino [do Algarve], era tão geral o fervor e entusiasmo do povo, que se mostrava disposto antes a morrer que a ver-se novamente sujeito a dominadores cruéis e iníquos, como se viu poucos dias depois. Porque espalhando-se de noite [de 1 de Julho] o rumor falso por todo o Reino que uma coluna de seis para sete mil homens tinha entrado por S. Marcos, e seguia a direcção de Faro, todos os povos com o maior ânimo e patriotismo correram às armas sem excepção de pessoa alguma. Tanto assim, que apresentando-se logo no campo o Excelentíssimo General [o conde de Castro Marim], enquanto mandava examinar a marcha do inimigo, havendo ordens, entre outras providências, a bem da defesa da cidade de Faro, que se lhe reunissem as tropas de Tavira e mais terras vizinhas, se lhe apresentaram na madrugada do dia seguinte uns três mil homens paisanos do povo de Olhão, armados de espingardas, chuços, croques, fisgas, e toda a qualidade de armas, formado como tropa, vindo entre eles duas mulheres vestidas de homem, que se apresentaram no Paiol da Pólvora para receber cartuchame, onde, não se podendo bem disfarçar, foram percebidas; o Excelentíssimo General louvou-lhes o seu entusiasmo e valor.
Havendo pois entrado desta sorte no exercício do cargo de Presidente [o Conde de Castro Marim], continuou a deliberar-se na Junta Suprema [de Faro] sobre tudo o que a urgência das circunstâncias requeria. Como primeiro dever da Junta, expediu-se imediatamente uma embarcação a Sua Alteza Real, participando-se-lhe o glorioso sucesso do Algarve, e enviando-se-lhe a cópia do Auto da mesma Junta para que fosse servido aprová-la. Logo depois, parecendo também indispensável, se fez igual participação tanto ao Governo de Gibraltar para que o fizesse presente a Sua Majestade Britânica, como à Junta de Sevilha, com a qual se ajustou um tratado de recíproca aliança e mútuo reconhecimento de independência e legítima soberania. Foi encarregado desta importante comissão o Cónego Manuel do Couto Pereira Taveira, que a desempenhou completamente, mostrando nela assim o desinteresse como os talentos de que é dotado.
Julgando-se conveniente para a economia da Real Polícia e tranquilidade dos Povos, criaram-se Juntas Administrativas nas cidades e vilas principais, as quais para simplificar o expediente se estendiam com as erectas nas cabeças de Comarcas, e estas com a Suprema, onde cada uma das mesmas Comarcas tinha um dos Deputados nomeado por seu Procurador. Estas Juntas, porém, não embaraçavam as funções das Câmaras e mais autoridades constituídas, assim civis como militares, concorrendo todas ao bem comum e [ao] serviço de Sua Alteza Real.
Neste concurso de coisas cresciam a cada passo as dependências da Suprema Junta. As tropas se iam organizando com a maior actividade, e o espírito de patriotismo que, a exemplo dos Regentes Provisionais se difundia por todos os habitantes daquele Reino, fazia com que até os Soldados mais veteranos e com baixa de três e quatro anos por Sua Alteza Real, voluntariamente se oferecessem às armas, movidos pelas veementes proclamações e ofícios da mesma Junta; e à proporção que se aumentava o seu número, aumentava-se igualmente a necessidade de fundos para manter assim os mesmos soldados como os inumeráveis paisanos ocupados no Real Serviço e defesa. Foi então que a Suprema Junta se viu nas precisas circunstâncias de criar uma Junta de Finanças e uma Tesouraria Geral. Para o que se nomearam as pessoas de conhecida probidade e inteligência, a saber: Presidente, o Corregedor da Comarca, Manuel José Plácido da Silva Negrão, que estava também primitivamente encarregado da Polícia de todo o Reino [do Algarve]; Deputados, os Cónegos Duarte José Vaz da Horta, e Manuel do Couto Pereira Taveira, o Negociante José Lopes Ferrete, e o Capitão Ventura da Cruz, que era juntamente Tesoureiro Geral; Secretário, o Doutor António Januário da Fonseca; e Procurador da Fazenda, o Cónego Doutor Joaquim Pedro da Costa Maciel.
Dadas estas providências, começaram-se a engrossar os fundos da caixa militar, não só os rendimentos públicos, mas com os inumeráveis donativos particulares, cuja simples narração embaraçaria o fio desta breve história. Não se pode deixar porém em silêncio os primeiros que houveram, como foram os do Excelentíssimo Bispo e Cabido, e o que por parte de sua mãe, D. Maria de S. José dos Santos, ofereceu o Referendo Padre Fr. Rafael de Santa Rosa de Viterbo, o que mandou a Ilustríssima D. Maria da Paz Weinholt, o Major António Luís de Macedo, que até calçou à sua custa o Regimento de Artilharia n.º 2, José Alves e Matias Gonçalves dos Montes Boisões, termo de Mértola.
Ordenando-se assim o político e o civil, traçavam-se os arranjos militares. Achavam-se ainda as povoações do Algarve divididas entre si, querendo cada uma delas em massa defender-se do inimigo; termos forçosos então. Mas logo que as circunstâncias se mudaram com a evacuação dos franceses, sendo muito prejudicial à Caixa Militar o que despendia com etapas aos paisanos armados, braços precisos para as colheitas, que neste tempo instavam, precisava-se um Plano para a defesa geral que tivesse por objecto não só a união recíproca das forças para melhor se repelirem os ataques, mas a diminuição dessas despesas sem prejudicar a agricultura e mais trabalhos ordinários. Encarregou-se deste Plano o Major e Deputado da Suprema Junta Joaquim Filipe de Landerset, o qual Plano, sendo aprovado, mandou-o executar o Excelentíssimo General pelos Engenheiros seguintes: o Coronel Joaquim José Ferreira; os Capitães Eusébio de Sousa Soares, e António José Vaz Velho, que achando-se a esse tempo ocupado na defesa de Tavira, foi substituído pelo Tenente Jacinto Alexandrino Travassos. 
Constando (ainda que confusamente) que as províncias do Norte se tinham já levantado, foi mandado Sebastião Duarte da Ponte Negrão a abrir as inteligências [=correspondências] militares e civis interceptadas, para comunicação das operações entre elas e este Reino do Algarve; e depois o Quartel-Mestre de Artilharia Pedro Coelho Xavier, que ia também encarregado do estabelecimento dos correios para estas correspondências.
Ao tempo que a Junta Suprema desta sorte deliberava ocorrendo aos casos já ordinários, já extraordinários, que se ofereciam, não só pertencendo àquele Reino mas à província do Alentejo, o seu Excelentíssimo Presidente fora dela no carácter do General, somente com o Secretário Francisco Eusébio Pereira da Silva, dava as providências que, nesses tempos difíceis, tanto precisava o expediente militar. Porque deixando de falar na regulação e disciplina dos corpos, providenciou o fardamento das Tropas, havendo apressando com a maior actividade a sua organização, com intento de passar logo que fosse possível um auxílio do Alentejo, ao qual enviava entretanto os socorros que podia. Pois além de cem homens que logo fez marchar para a Comarca de Ourique, e da primeira expedição dos trezentos, que já ficam referidos, com as quatro peças para Beja, expediu para a mesma cidade um segundo destacamento de quatrocentos Infantes do Regimento n.º 14, com quatro peças de artilharia e um obus, comandado pelo major do mesmo Regimento, Pedro Mascarenhas. Fez conduzir ao Alentejo, a instâncias do Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite, quarenta barris de pólvora e uns sessenta cavalos, que indo tudo remetido para Évora, por não ser já ali preciso veio a ficar em Beja, para onde foram mais duzentas espingardas e outras algumas munições. Oficiou novamente à Junta de Sevilha e à esquadra inglesa, pedindo-lhes auxílio de armas não só para completar o armamento do Exército do Algarve, mas para levar de sobressalente, a fim de distribuí-las pelos corpos que se lhe unissem no Alentejo. E no meio de tantos e tão complicados casos, a que sempre soube acudir e dar a mais pronta resolução, teve a glória de atalhar desordens, que seriam ao futuro bem funestas, se ao princípio não se cortassem. Conciliou a dissensão que ia haver entre a Junta de Beja e a de Ourique, que à força de zelo e emulação, em caso tal iam a disputar-se em primazia e subordinação; e por ofícios de prudência e respeito do Excelentíssimo General, que tinha somente em vista o interesse da Nação, é que a Junta de Ourique reconheceu a superioridade na de Beja.
Dadas estas providências, que levaram todo o mês de Julho, achando-se já organizados os Regimentos, se tratou logo das disposições da marcha do Exército ao Alentejo. Antes, porém, julgando a Junta ser do seu dever participar a Sua Alteza Real o estado actual do Reino e a resolução da marcha do Exército do Algarve para cooperar na Restauração da capital, enviou ao Rio de Janeiro José Joaquim da Horta Machado, no qual concorriam as circunstâncias necessárias para esta comissão. E parecendo-lhe outrossim conveniente, oficiou à Junta de Sevilha, dando-lhe parte da marcha, pedindo-lhe a bem da causa comum e dos tratados [que] fizesse marchar tropas à fronteira, para que no caso precisão nos auxiliassem.
Havendo pois o Excelentíssimo General entregado a Presidência da Junta e o Governo das Armas ao Excelentíssimo Bispo, deixando regulada a defesa do Algarve, encarregando ao Coronel Joaquim José Ferreira a inspecção do centro e lado esquerdo, e ao Capitão Baltazar de Azevedo Vila-Lobos da direita, na conformidade do plano, saiu da cidade de Faro no dia 10 de Agosto para a cidade de Tavira. A 14 marchou para Vila Real de Santo António. Compunha-se o seu Quartel-General do Ajudante-General Sebastião Dragão Cabreira, nomeado pela Junta [de] Tenente Coronel do Regimento de Artilharia n.º 2; do Ajudante de Campo Joaquim Filipe de Landerset, nomeado igualmente Tenente Coronel do Regimento de Infantaria n.º 14; do Ajudante de Ordens João Ribeiro Lopes, nomeado Major com o referido exercício; do Quartel-Mestre-General Eusébio de Sousa Soares, a quem também nomeou a mesma Junta Major do Real Corpo de Engenheiros; do Ajudante de Campo Belchior Drago Cabreira, que nomeou Capitão do Regimento de Artilharia n.º 2; do Ajudante do Quartel-Mestre-General José Francisco Ferreira, Ajudante da Praça de Castro-Marim; do Capelão mor do Exército Frei Diogo de Belido; do Secretário do Governo Francisco Eusébio Pereira da Silva; do Auditor do Exército o Bacharel Gabriel de Bitancourth [sic]; do Intendente dos víveres o Juiz de Fora de Vila Nova de Portimão José Carneiro; do Intendente das carruagens André Urbano Xavier da Fonseca, nomeado pela Junta Juiz de Fora de Tavira; e do Físico mor do Exército Daniel Pessoa da Cunha.
Saiu em duas colunas o Exército: a primeira, a cuja testa ia o Excelentíssimo General, marchou na direcção de Mértola; a segunda se dirigiu a Almodôvar, comandada pelo Coronel do Regimento de Lagos. Era a tenção e plano do Excelentíssimo General reuní-las depois juntamente com tropas que antecipadamente tinha mandado ao Alentejo, e combinar com as forças de Beja todas as mais que se achassem organizadas ou [que] se pudesse organizar naquela província, para operar com mais vantagens contra o inimigo comum.
Apenas porém chegou à vila de Mértola, recebendo a parte [=notícia] que haviam marchado da cidade de Beja as Tropas do Algarve (que já ali se achavam) comandadas pelo Coronel José Lopes de Sousa, nomeado então Marechal de Campo, com algumas espanholas, a obstar ao inimigo, que projectava passar a Alcácer do Sal; não obstante julgar serem [estas] forças suficientes para o repelir, por maior segurança fez marchar a coluna de Almodôvar a unir-se com a de Beja, e marchou para a mesma cidade no dia 19, onde chegou no dia 19; e nela depois soube que, receando o inimigo a marcha da nossa gente, se havia retirado por terra com tal precipitação de Alcácer do Sal, que abandonou os barcos em que tinha ido e a carne que recebeu. 
Demorou-se o Excelentíssimo General em Beja até o dia 28, à espera das bagagens e munições de guerra que tinham vindo pelo Guadiana e ficado em Mértola, sendo necessário mandarem-se carros da dita cidade para as conduzir. Aproveitou contudo este tempo em oficiar ao Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite, aos Governadores das Praças onde lhe constava haverem algumas tropas e a outras Autoridades constituídas, a fim de realizar-se a união das forças o mais pronto possível, sendo Évora o ponto de reunião. E entretanto, para obstar a passagem do inimigo à província do Alentejo, concertou com o Capitão General da Extremadura espanhola e [com] o Brigadeiro Bacelar o plano de ser ocupada pelas nossas Tropas a margem do Tejo do Cabo de Espichel até à Moita; desta vila exclusive até Salvaterra [de Magos] pelas espanholas; e o resto até Santarém pelo Exército do referido Brigadeiro. Foi então que recebeu um ofício de Matthew Smith, Comandante da fragata Comus de Sua Majestade Britânica, em que lhe participava terem os franceses entrado em Lisboa perseguidos pelo Exército combinado, e lhes ter sido recusada a capitulação que pediam condicionalmente, pretendendo-se que se rendessem à discrição; e por fim lhe rogava, para obstar a passagem do Tejo aos inimigos, [que] tomasse posse de Setúbal atacando Palmela e o forte de S. Filipe, vistas as poucas forças que os inimigos ali tinham, enquanto ele marchava a Évora, para acelerar a união das Tropas. Antes da sua partida se lhe apresentaram Francisco de Melo, Tomás de Melo e Domingos de Melo, com o fim de servirem no Exército, trazendo consigo algumas pessoas de Serpa, entre as quais veio o Capitão Mor, que assentou Praça, e um filho seu, no Regimento de Infantaria n.º 14. Igualmente se lhe apresentou o Tenente Coronel Governador que foi de Serpa António José de Vasconcelos e Sá, ao qual e aos ditos Melos o Excelentíssimo General admitiu em Ajudantes de Campo.
No dia 29 se pôs em marcha para Évora, onde chegou no dia 30, não levando de Beja mais que vinte cavalos com um oficial para sua guarda, ficando nela quase três esquadrões de Cavalaria e uns trezentos Voluntários de Infantaria. Estando nesta cidade, recebeu um ofício do Comandante da fragata Comus, e incluso o que ao mesmo dirigiu o Almirante Cotton. Neste ofício dizia o Almirante que não lhe autorizava o ataque de Palmela, por haver um Armistício entre as Tropas inglesas e francesas desde o dia 23 até 30, e ao mesmo tempo lhe noticiava terem passado algumas Tropas [francesas] para reforço de Palmela, não duvidando que Junot intentasse retirar-se para Elvas, quando não se pudesse sustentar em Lisboa. No ofício do Comandante da fragata, este expunha ao Excelentíssimo General a persuasão em que estava de que Setúbal fosse o ponto de reunião, para impedir a passagem do inimigo a Elvas. Acompanhava estes ofícios um do Marechal de campo José Lopes de Sousa, em que participava ter passado de Lisboa para Cacilhas a Brigada de Loison a reunir-se com a que já ali se achava, calculando-se a força de três a quatro mil homens, cujo número dizia [que] poderia ser ainda engrossado com o seu resto, para seguirem pela província algum desesperado recurso, pelo que supunha a necessidade da reunião em lugar que pudesse livrar os interiores da invasão do inimigo. Finalmente, concluía dizendo que não tinha passado a atacar Palmela para não se achar na necessidade de levantar o campo sem fruto, e retirar-se com o risco, quando viessem superiores forças inimigas contra ele fora do lugar de Setúbal.
À vista destes ofícios, era de recear, nas circunstâncias em que se achava Junot, que passasse todo o Exército [francês] à província do Alentejo, para se fazer forte em Elvas. Sendo este o seu projecto, o nosso deveria ser embaraçá-lo. A coluna do Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite, composta das Tropas organizadas em Campo Maior e Estremoz, e o Exército do Capitão-General de Badajoz, ainda que constasse a sua marcha, não tinham chegado a reunir-se com a nossa coluna em Évora. Não havendo pois forças na presente ocasião para se oporem ao desembarque do inimigo, convinha [que] se tomasse uma posição mais retirada, onde de mais pronto se pudessem combinar todas as forças, e que tendo a vantagem local, obstasse à sua passagem. Setúbal, estando Palmela ocupada por ele, e podendo seguir outras direcções para o ponto a que se dirigia, não apresentava estas vantagens, e tinha ademais os grandes inconvenientes de cortar a combinação das forças, enfraquecendo-as, e de abrir a província ao mesmo inimigo, destruindo o Plano Geral concertado para sua defesa.
Tendo em consideração este motivos, o Excelentíssimo General novamente oficiou ao Excelentíssimo Tenente General Francisco de Paula Leite e ao Capitão-General de Badajoz para que apressassem a marcha das Tropas, e passou imediatamente a ocupar Montemor, posição importante pelas suas alturas e desfiladeiros, e onde se encontram quase todas as estradas que se dirigem a Elvas. Escreveu também ao Marechal de Campo [José Lopes de Sousa] para que, no caso de ser atacado por forças superiores ou lhe constasse a marcha do inimigo por outra direcção, se lhe viesse reunir.
Em Montemor recebeu a parte do Marechal de Campo, escrita em Setúbal, de que os franceses tinham evacuado Palmela, depois de várias surtidas em que perderam sessenta e dois homens entre mortos, feridos e prisioneiros, e que se tinham retirado protegidos por forças que tinham vindo da Moita; passando o mesmo Marechal de Campo a ocupar Palmela. Vendo pois o Excelentíssimo General [que] se achavam as nossas [forças] já de posse desta vila, e sabendo que o inimigo se conservava em Almada sem aumento de forças, resolveu marchar por Palmela a unir-se com a coluna de Setúbal, para atacar logo o mesmo inimigo; e mandando Francisco de Melo com uma partida de Cavalaria reconhecê-lo, não quiseram os franceses dar-nos [a] glória da vitória. Cheios de susto, e conhecendo [que] os queríamos atacar, se embarcaram, deixando-nos desembaraçada toda a margem sul do Tejo, que as nossas Tropas foram logo ocupar no dia 9, transferindo-se o Quartel-General para Azeitão. Acharam-se nas Torres e Baterias setenta e uma peças de grosso calibre, seis obuses, quarenta barris de pólvora, etc. Foi então que os moradores de Lisboa avistaram o nosso Exército, e viram da outra banda arvoradas as Reais Bandeiras Portuguesas com salvas de artilharia.
Sabendo o Excelentíssimo General em Azeitão que entre os Exércitos britânico e francês se havia ajustado e ratificado uma Capitulação Definitiva [a posteriormente chamada Convenção de Sintra] para evacuarem os franceses o terreno de Portugal, em que não fora ouvido nem contemplado, enviou o seu Ajudante General ao Almirante Cotton com uma protestação em geral contra tudo que na mesma pudesse haver de injurioso ou contrário aos interesses do Príncipe e da Nação. Não se contentando com isto, requereu embargo em todas as embarcações que conduziam os franceses até que Sua Majestade Britânica e Sua Alteza Real decidissem o que melhor convinha aos interesses de ambos os Governos, e que entretanto se fizesse um exame rigoroso nas suas bagagens, para que debaixo deste pretexto não levassem as riquezas da Nação.
Embarcados que foram os franceses, restituída a Regência que Sua Alteza nomeou, foi avisado o Excelentíssimo General para que, em consequência da usa nomeação pelo mesmo Senhor, viesse exercer o cargo de Governador do Reino. Então entregue o comando do Exército ao Marechal de Campo José Lopes de Sousa, embarcou-se para a Corte a 17 de Setembro, e poucos dias depois se expediram as ordens para a retirada do Exército a seus Quartéis.
Eis aqui, finalmente, como se efectuou a Feliz Restauração do Reino do Algarve; e eis aqui uma fiel e breve exposição dos sucessos mais interessantes em que os algarvios mostraram o nobre e leal patriotismo que os animava, sendo gerais em todas as classes e em todos os indivíduos os briosos e elevados sentimentos com que todos unanimemente concorreram para a causa pública, uns com os seus braços, outros com os seus bens e cabedais. A Olhão deve, portanto, pertencer a glória de haver sido o primeiro [lugar] em manifestar o seu valor e a sua fidelidade; e a Faro, de ter lançado os fundamentos da Restauração de todo o Reino do Algarve, pois que sem a energia desta nobilíssima cidade, tudo se haveria frustrado, e aquela mesma heróica povoação teria sido vítima da sua incomparável lealdade.
Mas esta mesma glória com justiça deve igualmente pertencer ao Excelentíssimo General Conde Monteiro Mor, pela consolidação da grande obra da nossa liberdade, e da nossa independência, pois que sem as suas luzes e o seu não vulgar patriotismo, talvez que o ciúme e as intrigas houvessem destruído logo na sua origem este sublime padrão da glória portuguesa. Assim, em todo este notável concurso de maravilhosos acontecimentos e suas circunstâncias, acharemos sem prejuízo a Mão Poderosa de uma Augusta e Divina Providência, que ainda não esquecida das grandes promessas feitas em Ourique ao nosso primeiro fundador da monarquia, também não está ainda cansada de nos defender e conservar como nação livre, talvez em atenção às magníficas virtudes do melhor dos Príncipes da Terra.

[Fonte: Joaquim Filipe de Landerset, Breve Notícia da Feliz Restauração do Reino do Algarve, e mais sucessos até ao fim da marcha do Exército do Sul, em auxílio da Capital, Lisboa, Oficina de João Rodrigues Neves, 1809 (apud Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, 1941, Lisboa, pp. 457-476)].