segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os escassos recursos militares de Junot e a ida do General Loison para o Porto




Como atrás vimos, foi preciso esperar até ao dia 9 de Junho para chegarem a Junot as notícias de que três dias antes o exército espanhol comandado por Belestá tinha aprisionado os franceses que estavam no Porto e marchado com estes para a Galiza. Para além de em represália ter mandado prender os vários destacamentos dispersos de espanhóis que estavam ao seu alcance (fora alguns que conseguiram fugir, como o Regimento de Múrcia), Junot deu também ordens ao General Loison para que este retrocedesse a sua marcha e fosse ocupar a cidade do Porto. 

Ainda que a Gazeta de Lisboa anunciasse frequentemente que Portugal vivia num cenário de tranquilidade, aqueles acontecimentos do Porto vieram agravar a situação bastante crítica em que Junot já se encontrava, e isto antes mesmo de ter conhecimento dos vários focos de insurreição que começariam a surgir nos dias seguintes e a alastrar pelo norte e pelo sul do país. A saída da divisão de Solano do sul de Portugal, algumas ordens de Napoleão e do Grão-Duque de Berg, e finalmente as revoltas espanholas, obrigaram Junot a dividir e a dispor sucessivamente o seu exército em novos postos. Desta forma, nos primeiros dias de Junho mais de um terço da totalidade dos seus homens estava repartido entre Almeida, Elvas e no sudeste do país (estes últimos com ordens para entrar na Espanha e abafar as revoltas da Andaluzia, juntamente com o exército de Dupont, e depois seguir para Cádis). À excepção de alguns destacamentos dispersos pelas estradas que conduziam de Lisboa a aqueles pontos, e exceptuando também a região litoral à volta de Lisboa, onde se encontravam cerca de 10.000 homens (ou seja, cerca de metade dos franceses que nesta época eram comandados por Junot), o resto do país estava então literalmente livre de franceses:



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Principais pontos ocupados pelos franceses (cerca de 10 de Junho de 1808)




As ordens e contra-ordens das movimentações do General Loison ilustram bem o estado de desorientação em que Junot se encontrava, sabendo que as suas forças eram insuficientes para conseguir sustentar a ocupação do país em caso de um desembarque dos ingleses e/ou do alastramento das revoltas espanholas a Portugal (desorientação esta que se torna visível em grande parte da correspondência que Junot enviou a Napoleão pelo menos até 7 de Junho de 1808, data da última carta conhecida). De facto, Loison, que no dia 8 de Dezembro de 1807 instalara o seu Quartel-General em Torres Vedras para comandar a sua divisão, que se concentrou sobretudo entre Mafra e Peniche, recebeu ordens em meados de Maio do ano seguinte para partir para a praça de Almeida, acompanhado com uma coluna de cerca de 4.000 homens. Depois de cerca de 15 dias de árdua viagem até Almeida, Loison continuou a marcha em direcção a Ciudad Rodrigo, a fim de repor as comunicações com o exército francês que ocupava a Espanha, pois os rebeldes espanhóis tinham começado a interceptar a correspondência dos franceses desde meados de Maio de 1808. Pouco depois de passar a fronteira e de mandar ocupar o forte de la Concepción, Loison recebe as contra-ordens de Junot para ir ocupar o Porto, dado que os espanhóis tinham abandonado esta cidade. Assim, no dia 17 de Junho, Loison viu-se obrigado a retroceder a sua marcha, começando a caminhar para o Porto acompanhado por cerca de 2.600 franceses e com 3 ou 5 peças de artilharia (consoante as versões). 
A viagem decorreu sem grandes incidentes até Lamego, onde este corpo pernoitou no dia 20. Contudo, tudo se alteraria nos dias seguintes. Como temos mostrado, depois dos espanhóis terem aprisionado os poucos franceses que se encontravam no Porto, várias povoações a norte do Douro começaram a aclamar o Príncipe regente e a levantar-se contra o governo francês. 





Focos de insurreições no norte do país até 19 de Junho de 1808





Ao cruzar o Douro na manhã seguinte, um militar experiente como Loison iria deparar-se com um cenário que jamais tinha visto, sendo atacado não por um exército mas por pequenos bandos de guerrilhas emboscados no meio das vinhas, que, quando acabavam as suas munições, atiravam pedras... Como veremos, depois de quase ir para o maneta, Loison acabou por no dia 23 voltar a passar para a margem sul do Douro, supostamente por ter recebido novas ordens de Junot para regressar a Almeida...



Carta do Capitão George Creyke ao Almirante Charles Cotton, sobre o estado dos acontecimentos do Porto (20 de Junho de 1808)




H.M.S. Elipse, barra do Porto, 20 de Junho de 1808 



Senhor: 

Depois da relação que tive a honra de vos entregar a 10 de Junho, o Porto sofreu duas revoluções, e esteve sucessivamente nas mãos dos franceses e nas dos vassalos do Príncipe Regente. 
Depois dos espanhóis terem entregado os fortes à guarda dos portugueses e das bandeiras nacionais terem sido hasteadas, os franceses puderam voltar a estabelecer a sua autoridade, em consequência das fracas e indeterminadas medidas do Governador, Luís de Oliveira, que agora está preso como traidor, e a mantiveram até ao dia 16, dia do Corpus Christi, grande festividade nacional, na qual tem sido habitual que os Regimentos portugueses assistam arvorando as bandeiras [nacionais]. O Governador [Luís] de Oliveira, em consequência de ordens de Junot, tentou estabelecer na procissão a bandeira francesa em vez da portuguesa. Este violento ataque contra o costume nacional elevou os murmúrios da populaça a tal grau, que, quando se tentou executar a ordem do Governador, esta não teve qualquer efeito; e na tarde do dia 18 (um dia antes da minha chegada aqui), o povo estava excitado a tal grau de fúria que, apoiado pelos eclesiásticos, levantou-se em massa, arrombou os depósitos e muniu-se com vinte e cinco mil conjuntos de armas, e junto com a tropa regular, formou um exército bastante determinado e entusiasmado. A partir deste momento, toda a autoridade francesa cessou; e foram presos todos os homens franceses ou suspeitos de serem amigos dos franceses. 
O Bispo do Porto foi eleito como novo Governador, e um exército de vinte mil homens foi enviado para encontrar os franceses que tinham avançado, em número de novecentos, até seis léguas de distância do Porto. 
O entusiasmo foi comunicado de boca a boca, e as províncias portuguesas de Trás-os-Montes, Minho e a parte setentrional da Beira, à imitação dos espanhóis, levantaram-se sobre armas, determinadas a extirpar os franceses do seu Reino. Segundo as contagens mais moderadas, para além dos que existem no Porto, posso estimar que se levantaram mais de 100.000 homens. 
Todos os Regimentos regulares desmantelados pelos franceses estão a formar-se novamente com a maior actividade, e em brevemente unir-se-ão aos outros. Tive hoje uma entrevista com Sua Excelência o Governador, tendo sido conduzido até ele entre brados e hurras da populaça. 
Amanhã enviarei um destacamento para montar as peças de artilharia de um grande navio do Brasil, cujo comando foi dado a um inglês, e que se destina a bateria flutuante para defender a ponte [das barcas], caso os franceses tenham a temeridade de se aproximarem, embora não se receie tal ocorrência. Se me for requerida alguma pólvora, consentirei em dá-la, mas por agora eles têm abundância de armas, munições e mantimentos. 
A repulsa dos portugueses pelos franceses é tão grande que o Capitão Jones e eu, depois de suplicarmos pela vida do Intendente da Polícia francês [Perron], tivemos a maior dificuldade para trazê-lo como prisioneiro para o barco, e apenas o ilimitado amor e respeito pelos ingleses pôde evitar que a raivosa populaça não o desfizesse aos pedaços. 
Tenho a honra de ser, etc. 

G. A. Creyke 


[Fonte: The London Gazette, n.º 16161, from Saturday July 9, to Tuesday July 12, 1808, p. 963-964. Para além da nossa, existe uma outra tradução disponível no Correio Braziliense de Julho de 1808, p. 143]. 


Edital da Junta Suprema do Porto sobre as taxas sobre o azeite e vinho (20 de Junho de 1808)






Ordem da Junta Suprema do Porto para que a alfândega voltasse a cobrar as taxas impostas no tempo do Príncipe Regente (20 de Junho de 1808)




Edital da Junta do Supremo Governo do Porto sobre o governo militar da comarca de Penafiel, Sobre-Tâmega e Amarante (20 de Junho de 1808)



Edital da Junta do Supremo Governo do Porto convocando os soldados veteranos (20 de Junho de 1808)



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Observação: Para além dos veteranos, neste mesmo dia 20 de Junho de 1808 também se mandaram armar as Ordenanças, como se pode ver da seguinte acta de vereação da Junta do Porto:

Nesta sessão, por ser intimada a ordem bocal da Junta do Supremo governo desta Cidade ao Vereador Ber­nardo de Mello Vieira da Silva Menezes para se armar e por em acção toda a Ordenança de que este Senado é Capitão Mor, se determinou expedirem-se logo ordens, como efectivamente se expedirão sem perda de tempo, a todos os Sargentos Mores e Capitães respectivos para se porem imediatamente em armas, e prontos para toda a utilidade contra os franceses, determinando-se que se acendessem os fachos e [que] se participasse quaisquer notícias da chegada do inimigo para se lhe sair ao encontro.
[Fonte: Artur de Magalhães Basto, "O Porto contra Junot (continuação)", in Revista de Estudos Históricos da Faculdade do Porto, vol. 1, nº. 3, 1924, pp. 88-120, p. 105].

Carta da Câmara de Faro às demais Câmaras do Reino do Algarve, participando a restauração daquela cidade (20 de Junho de 1808)


Ilustríssimos Senhores, Juiz de Fora, Presidente, Vereadores e [de]mais Oficiais da Câmara, etc.:

No dia 19 do corrente mês, pelas duas horas da tarde, foi proclamado pelo povo desta cidade, por seu Legítimo Soberano o Príncipe Regente de Portugal Nosso Senhor. Arvoraram-se as suas bandeiras e a elas se reuniram os habitantes de todas as classes da mesma cidade e termo para defenderem os direitos do mesmo Soberano, Pátria, vidas e propriedades, contra os esforços do comum inimigo; e como esta causa interessa a todos os fiéis portugueses, razão porque o povo desta cidade e termo, e o Corpo militar, têm rogado e instado a esta Câmara [para que] haja de fazer manifesto a todas as cidades e vilas deste Reino do Algarve [que] queiram fazer comum connosco para repelirmos a força do comum inimigo, e não deixar exposta ao seu furor esta pequena porção de honrados e fiéis portugueses. 
Portanto, rogamos a Vossas Senhorias para que se dignem fazer público ao povo os nossos sentimentos e a nossa situação, e fazer as necessárias participações a todas as autoridades desse termo, para que de comum acordo cooperem connosco e tomem as medidas convenientes para se obter o fim desejado, e isto sem perda alguma de tempo, pois toda a demora poderá ser nociva. 
Deus Guarde a Vossas Senhorias 
Faro, em Câmara de vinte de Junho de 1808. 

Manuel Herculano de Freitas Azevedo Falcão, Presidente 
João Veloso Manuel Pessanha Cabral 
Domingos da Costa Dias e Barros 
Ventura da Cruz 
João Manuel de Faria Freire 
Guilherme José Pargana 
Amaro de Santa Teresa 
Manuel da Costa

[Fonte: Adérito Fernandes Vaz, Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009, pp. 72-74 (reprodução fac-símile de uma cópia desta carta)].

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Nota:

Num folheto impresso da época, esta carta era seguida pela seguida nota:
Por efeito desta carta, que foi circular e remetida logo a todas as Câmaras das cidades e vilas deste Reino do Algarve, se pôs logo todo o Povo em massa pronto para repelir o Comum Inimigo, o que assim felizmente se conseguiu, tento todos a glória de novamente aclamarem a Rainha Fidelíssima Nossa Senhora e o Príncipe Regente Nosso Senhor por nosso legítimo Soberano, e segunda vez ser restaurado este fiel Reino do Algarve do poder dos Inimigos rapinadores, que, com manifesta perfídia, entraram neste Reino de Portugal para o roubarem e assolarem, bem como assim o têm praticado em todo ou quase todo o Universo.
[Fonte:
Representação ou carta enviada pela Câmara desta cidade de Faro ao Rio de Janeiro a Sua Alteza Real o Príncipe Regente Nosso Senhor, Faro, Officina de Don Josè Maria Guerrero [sic], s.d. [c. 1808], pp. 5-6].
 

Carta do Cônsul Geral da Espanha em Lisboa ao Governador de Badajoz e Presidente da Junta da Extremadura





Meu estimado Moreti: 



Mil sinceros parabéns pelo seu novo emprego, e muitos mais pelo formidável, brilhante e bom aspecto que vão tomando os negócios da minha amada pátria. Sabendo Vossa Mercê tudo quanto particularmente me interessa, suplico-lhe que não seja tão lacónico quando me escreva; assim mesmo lhe rogo que use de iniciais para indicar pessoas que já conheço, e que assine o seu nome com um M. e que me escreva sob o nome de Guanche. Todas estas precauções e ainda mais são necessárias no estado crítico em que nós os espanhóis nos achamos neste Reino*. O recomendado de Vossa Mercê chegou no dia 16, e no mesmo dia prosseguiu com toda a segurança para o seu destino, levando consigo a carta fechada que trazia e a recomendação de um bom amigo. Acaba de voltar com a resposta**, e não querendo eu deter-lhe, direi a Vossa Mercê à pressa as notícias e as ideias que me ocorrem para que, no caso de que essa Junta [da Extremadura] as considere úteis, possa comunicá-las à Suprema Junta de Sevilha. 

O Exército francês de Portugal, que jamais chegou a ter 24 mil homens, acha-se reduzido a 13 ou a 14 mil, repartidos entre Elvas, Almeida, Porto, Figueira, Peniche, Cascais, Mafra, Setúbal, Reino dos Algarves e Lisboa***, podendo dizer-se que se encontram encerrados num saco com as imensas riquezas que produziu a contribuição de guerra e a prata das igrejas, o que se computa em 24 milhões de duros [sic]. 
Um Exército espanhol composto de 18 ou 20 mil homens, vindo da Galiza a esta cidade [=Lisboa] por via do Porto, poderia fazer a conquista deste Reino em 15 ou 20 dias, adquiriria para a Espanha a maior reputação política aos olhos da Europa, recolheria bastantes riquezas para fazer toda a campanha, guardaria e asseguraria as nossas fronteiras, destruindo este Exército inimigo que está nas suas costas, daria a liberdade a três ou quatro mil espanhóis indignamente desarmados, etc., etc. 
Digo que este Exército deveria vir da Galiza, primeiro por ser aquela província a que mais abunda de gente, por ser a menos ameaçada do inimigo e a mais fácil de defender-se pelas suas costas e montanhas, e em segundo lugar porque não tendo o nosso Exército que atravessar o Tejo, neutralizaria e evadiria as dificuldades que opõem os navios e fortalezas que o defendem. 
Para melhor assegurar o mais pronto e feliz êxito da empresa, seria conveniente: 

1.º que uma divisão de oito a dez mil homens entrasse por Santa Bárbara e Serpa para apoderar-se do Alentejo e Setúbal, e cortar a comunicação do Algarve. 

2.º que o Exército de Badajoz ameaçasse as guarnições de Elvas. 

3.º que o de Ciudad Rodrigo praticasse outro tanto a respeito de Almeida. 

4.º enfim, que os ingleses fizessem um falso ataque sobre Cascais e São Julião no dia em que os espanhóis se apresentassem diante desta capital. Deste modo poderia não haver uma gota de sangue derramada. 

Na minha opinião, uma proclamação curta deveria expressar que os espanhóis vinham agora a Portugal com o objectivo de combater contra um Exército tão inimigo dos portugueses como dos espanhóis, que, fazendo causa comum, vinham ajudá-los a sacudir o jugo infame, que vêm enfim abrir os seus portos ao comércio, à abundância e à prosperidade de que gozava este Reino antes que uns soldados que não têm mais religião nem princípios que o amor das riquezas, não somente os despojaram das que tinham, mais ainda de todos os meios que podiam procurar a sua existência, etc., etc. 
As últimas notícias de Inglaterra anunciam-nos que uma expedição de 20 mil homens ao mando do General Moore deveria sair daqueles portos no mês de Maio, e que se dirigiria a Portugal; as embarcações de transporte que se viram ultimamente unir-se à esquadra que bloqueia este porto parece que apoiam esta opinião; mas todo o bom espanhol devia sentir cordialmente que seja a Inglaterra e não a Espanha a que faça a fácil e vantajosa conquista de Portugal, em primeiro lugar porque podiam os ingleses apoderar-se das naus de guerra que ficaram neste porto, e das imensas riquezas que os franceses juntaram, e em segundo lugar porque fazendo-se donos de Portugal, julgariam poder dispor ao seu gosto este Reino; ao passo que se fossem os espanhóis os que fizessem a conquista, poderiam ou devolvê-la ao seu Príncipe, ou trocá-la por uma possessão americana que o acomodasse. Para realizar a nossa intenção, seria preciso adiantar-nos e não perder um instante para executar o projecto; rogando ao mesmo tempo aos ingleses que destinem a sua expedição para outros portos da Espanha. Basta por agora. Noutra ocasião direi o mais que ocorra. 
As expressões de Vossa Mercê foram muito gratas e o grau de Coronel fez abrir tamanhas atenções. Veja Vossa Mercê se um pobre aprisionado e desarmado pode servir de alguma coisa e mande com confiança mas com cautela a seu amigo. 



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Nota: 

A razão de tantas precauções (o sublinhado é do autor) deve-se à mudança da atitude de Junot com os espanhóis depois de ter tomado conhecimento da rebelião do General Belestá no Porto e de outros corpos de tropas espanholas noutras partes de Portugal (como por exemplo o Regimento de Múrcia). Na sequência destes acontecimentos, como atrás vimos, Junot ordenou que os militares espanhóis se reunissem no Terreiro do Paço (para supostamente embarcarem de regresso ao seu país), sendo aí desarmados e encarcerados em embarcações surtas no Tejo (salvo algo algumas excepções). Ignoramos se foi devido a este incidente que o Cônsul Geral da Espanha resultou prisioneiro, como o afirma no último parágrafo desta carta, ou se só o diz num sentido metafórico, tendo em conta tudo o que tinha ocorrido aos espanhóis. De qualquer forma, e apesar de não datada, esta carta teria sido escrita por volta de 20 de Junho de 1808, sendo remetida para o Governador de Badajoz através de um dos vários confidentes que este último tinha em Lisboa. Para evitar represálias caso a carta fosse interceptada pelos franceses, o Cônsul espanhol (cujo nome real ignoramos) assinou-a com o falso nome de Guanche (que curiosamente é o nome dado aos habitantes das Cánarias no tempo da sua conquista), e endereçou-a um outro pseudónimo, Moreti (que não deve ser confundido com Federico Moretti), ao qual felicita pela sua suposta condecoração de Coronel. O destinatário era, na verdade, José (ou Josef, segundo a grafia da época) Galluzo, Governador de Badajoz e presidente da Junta Suprema da província da Extremadura, conforme este último confessaria ao Capitão General do Exército da Galiza numa carta datada de 25 de Junho de 1808

** É possível que se trate da resposta de Cotton a Galluzo datada de 20 de Junho de 1808. Não encontrámos a carta de Galluzo (de 11 de Junho) que motivou tal resposta.

*** Enganava-se o Cônsul ao rebaixar tanto os números reais dos franceses em Portugal. Ignorava também que o "Reino do Algarve" já estava a repelir os invasores desde o dia 16 de Junho, data da "restauração" iniciada em Olhão. Na verdade, foi o próprio Junot que deu publicidade às revoltas algarvias e do norte do país através da sua famosa proclamação de 26 de Junho de 1808, a qual inclusive serviu de motivo para uma réplica dum franciscano algarvio, entre outras. 

Carta do Almirante Charles Cotton ao General Galluzo, Presidente da Suprema Junta de Badajoz (20 de Junho de 1808)



Navio de Sua Majestade Britânica Hibernia, em frente de Lagos, 20 de Junho de 1808. 



Senhor: 

Tenho a honra de acusar a Vossa Excelência o recibo da sua carta do dia 11 do mês corrente, por um correio que desempenhou perfeitamente o seu dever e que me alcançou hoje, não tendo omitido quantas diligências fez da sua parte para o dito fim. 
Ele levará às mãos de Vossa Excelência uma nota dirigida aos bravos espanhóis separados dos que estão nos arredores de Lisboa, noticiando-lhes o estado dos seus animosos compatriotas naquela cidade, e prevenindo-os contra tamanha traição. 
Ademais disto, permita-me Vossa Excelência que lhe assegure que plenamente imposto da magnitude do grande e glorioso esforço que a Espanha está fazendo presentemente para suster o seu legítimo Monarca e resistir à mais execrável perfídia e injusta opressão, tomou-me o mais vivo interesse pelo seu bom êxito; e a esquadra que comando dará qualquer género de auxílio que possa ser dado para suster uma causa tão justa e honorífica; da qual tive eu a honra de informar aos Senhores da Real Junta de Sevilha, através dum oficial espanhol que me enviaram, e que partiu daqui, regressando a Sevilha, no dia 11 do corrente mês; assegurei-lhes e pedi-lhes para assegurarem a Vossa Excelência a favorável disposição de Sua Majestade Britânica em assistir a todo o esforço feito sob virtuosos princípios, de modo a restabelecer a independência da Monarquia espanhola e por último a independência da Europa. 
Celebro com grande prazer esta ocasião para assegurar a Vossa Excelência o grande apreço e respeito com que tenho a honra de ser, Senhor, de Vossa Excelência o mais obediente e humilde servidor. 

C. Cotton.