quarta-feira, 6 de julho de 2011

Carta de Lord Castlereagh, Secretário de Estado da Guerra, ao General Dalrymple, Governador de Gibraltar (6 de Julho de 1808)





Downing Street, 6 de Julho de 1808


Senhor, 

Receberam-se e entregaram-se ao Rei os vossos ofícios das datas referidas na margem [2 de Junho e 4 de Junho]; e por este meio transmito-vos a aprovação de Sua Majestade [Britânica] pela linha da conduta que ponderadamente haveis tomado nas vossas comunicações com o General Castaños, e por terdes enviado o corpo do Major-General Spencer para a barra de Cádis.
O discurso e as ordens de Sua Majestade em Conselho, que vos transmito separadamente, revelar-vos-ão plenamente os sentimentos de Sua Majestade em relação aos esforços patrióticos da nação espanhola. Torna-se evidente que se este espírito nobre (que irrompeu e que parece ser universal nas províncias da Espanha) puder ser mantido durante um tempo considerável, ocorrerão os resultados mais benéficos, não só para a própria Espanha, mas também para a Europa e para o mundo. Se, pelo contrário, os esforços forem apenas momentâneos e definhem ou acabem em conflito ou num mau sucesso, a sujeição não só da Espanha mas de toda a Europa poderá ser irrevogavelmente estabelecida, durante um longo período de tempo. Espero, portanto, que não descurareis os meios ao vosso alcance para encorajardes os espíritos e auxiliardes os esforços da nação espanhola, e igualmente para tomardes qualquer oportunidade que seja para expressardes os desejos desinteressados da Grã-Bretanha a favor dos espanhóis, tal como a determinação de Sua Majestade em proporcionar-lhes quaisquer meios de assistência que estejam ao seu alcance.
Aproveito esta oportunidade para vos informar que foram dadas ordens ao Tenente-General Sir Arthur Wellesley para partir de Cork, com um corpo de perto de 10.000 homens, que se reunirão na foz do Tejo; onde se espera, de acordo com os avisos recebidos da parte do Vice-Almirante Sir Charles Cotton, que a sua expedição será executada com um sucesso imediato. Foram-lhe dadas instruções para enviar [ordens] para Cádis, para o corpo debaixo do comando do Major-General Spencer [reunir-se igualmente na foz do Tejo], a não ser que este esteja sendo empregue naquela parte, executando um objecto de grandes consequências para a causa comum. Ele terá, por suposto, o cuidado de vos comunicar os seus procedimentos.
Na minha carta separada desejo que transmitais o estado dos acontecimentos mais recentes na Espanha a Sir John Stewart [sic], na Sicília, e a Sir Alexander Ball, em Malta; e espero que não descurareis qualquer ocasião para os informardes, sobretudo o primeiro, acerca do progresso dos acontecimentos; e fareis o mesmo em relação a Lord Collingwood.
Escrevo-vos desta forma de acordo com as informações recebidas da parte do Major-General Spencer, enviadas da barra de Cádis a 6 de Junho; naquele tempo, estavam a ser feitas preparações para se tomar posse da esquadra francesa; e os nossos Comandantes esperavam a ratificação, pela parte da Junta de Sevilha, das condições propostas por eles para a sua cooperação. Tudo leva a crer, através dos ofícios do Almirante [Purvis] e do General [Spencer], que as suas proposições foram aceites na maior parte, e que as forças de Sua Majestade [Britânica] estão a agir em aliança com a Junta de Sevilha. 
A prontidão com que os comerciantes de Gibraltar fizeram um empréstimo para auxílio do exército espanhol comandado pelo General Castaños proporcionou muita satisfação a Sua Majestade. 
Tenho a honra de ser, etc., 

Castlereagh



________________________________________________________________


Nota: 


Dalrymple receberia esta carta no dia 27 de Julho, juntamente com várias cópias das ordens do Rei da Grã-Bretanha sobre o fim das hostilidades contra a Espanha. Como referiu na sua citada apologia (pp. 47), a cópia desta carta que se viria a apresentar na Comissão de Inquérito sobre a Convenção de Sintra omitiu o trecho por nós sublinhado. O segundo parágrafo sublinhado, em particular, demonstra, segundo Dalrymple, que a confiança que o ministério da guerra do governo britânico tinha até então depositado em si começara a transferir-se para Purvis e Spencer. Cf. Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 134 (doc. 19)].

Salvo-Conduto passado pela Junta do Algarve a Manuel Martins Garrocho, mestre de um caíque com destino ao Rio de Janeiro (6 de Julho de 1808)



Do porto desta cidade de Faro, Reino do Algarve, sai o Mestre Manuel Martins [Garrocho], natural de Olhão, termo desta mesma cidade, no seu Caíque invocando o Bom Sucesso e por alcunha Drago, para seguir sua viagem ao Brasil e Rio de Janeiro, levando a seu bordo, preso, Mateus Garcia, e a família deste, que vem a ser a mulher e dois filhos menores, para o deixar em sua liberdade na ilha da Madeira*: o mesmo Mestre e o dito seu barco vai de ordem e mando do Supremo Conselho deste Reino do Algarve, em diligência do Estado e pública do mesmo; pelo que rogamos todo o auxílio, socorro de qualquer modo precisado pelo dito Mestre, sua tripulação e barco, em qualquer parte que aportar, obrigado de vento e mar, ou de outra qualquer necessidade para poder viver ou navegar, como refrescos e aguadas, marinheiros, contra-mestre e pilotos, por que a satisfação de tudo que for necessário aos mesmos será infalivelmente satisfeito de ordem e abonação do mesmo Supremo Conselho, que o tem autorizado na qualidade de Correio Marítimo*para a diligência de que vai encarregado em seu dito barco; pelo que se lhe passou este salvo-conduto por determinação da Junta, em 6 de Julho de 1808. 

Ventura José Crisóstomo, Secretário do Conselho
Conde Monteiro Mor 
Arcediago da Sé Domingos Maria Gavião Peixoto 
O Cónego António Luís de Macedo e Brito 
O Major Joaquim Filipe de Landerset 
Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira
José Duarte da Silva Negrão 
José Bernardo da Gama Mascarenhas Figueiredo 
Miguel do Ó 
Francisco Aleixo 

[Fonte: Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s. ed., 1941, p. 360 (Doc. 40); reprodução fac-símile do manuscrito original in Adérito Fernandes Vaz, As Navegações dos Olhanenses em Caíque e a 1.ª Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2008, pp. 115-116]. 

__________________________________________________

Notas: 

Apesar de se desconhecer que crime teria cometido este Mateus Garcia, o facto de ter sido remetido para a Madeira com a família permite supor que a sua presença no território algarvio poderia alimentar desejos de vingança, sendo provável que deveria ter sido acusado de traidor ou jacobino.

*Atrás indicámos que alguns dos documentos que este correio marítimo levava a bordo foram publicados (integral ou parcialmente) na Gazeta do Rio de Janeiropouco depois da tripulação deste caíque ali aportar. Tentaremos agora fornecer uma lista mais completa dos documentos (incluindo os já referidos), por ordem cronológica de composição, todos eles destinados ao Príncipe Regente D. João: 

1. Auto de eleição da Junta Suprema do Reino do Algarve (22 de Junho);
2. Termo de juramento dos membros da mesma Junta (23 de Junho);
3. Auto de posse dos mesmos (23 de Junho);
4. Carta da Câmara de Faro (30 de Junho de 1808);
5. Carta do juiz da alfândega de Faro (30 de Junho);
6. Carta do bispo do Algarve (2 de Julho);
7. Carta do Compromisso Marítimo de Olhão (2 de Julho);
8. Segunda carta do Bispo do Algarve (3 de Julho);
9. Participação da Junta do Algarve (5 de Julho);
10. Carta do Conde Monteiro mor, eleito presidente da Junta do Algarve (7 de Julho).
[Fontes: Gazeta do Rio de Janeiro, n.º 4, 24 de Setembro de 1808Gazeta do Rio de Janeiro, n.º 5, 28 de Setembro de 1808“Manuscritos portugueses existentes no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro”, in Anais das Bibliotecas e Arquivos, Vol. XI, n.º 41 e 42, Janeiro-Junho de 1933, Imprensa Nacional de Lisboa, 1934, p. 53; Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s. ed., 1941; Alberto Iria, “Um documento esquecido sobre a chegada ao Brasil do primeiro Correio Marítimo de Portugal em 1808”, separata dos Anais da Academia Portuguesa de História, Lisboa, II Série – Vol. 30, 1985; Adérito Fernandes Vaz, As Navegações dos Olhanenses em Caíque e a 1.ª Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2008; Id., Olhão da Restauração no tempo e a 1.º Invasão Francesa em 1808, no contexto regional e nacional – 2.º Volume, Olhão, Elos Clube de Olhão, 2009 (estas duas últimas referências têm reproduções fac-símiles da maioria dos manuscritos citados, entre outros)]
Omitimos nesta lista, para além do salvo-conduto acima transcrito, um edital que a Câmara de Faro tinha mandado publicar (antes da cidade se levantar), ameaçando os revoltosos de Olhão, e que tinha sido incluído (pelo menos aparentemente) no sobrescrito da carta do Compromisso Marítimo de Olhão, como já referimos  

*** O comerciante Miguel do Ó, natural de Olhão e residente em Faro, membro "eleito" para a Junta do Algarve em representação do "povo", era precisamente o dono do caíque a que se reporta este salvo-conduto. Cf. Alberto Iria, A Invasão de Junot no Algarve, Lisboa, s. ed., 1941, pp. 426-428 (docs. 387 e 388).

Acordo entre a Junta Suprema do Porto e a Junta Provincial de Bragança (6 de Julho de 1808)




No dia 6 do corrente Julho de 1808, nesta cidade do Porto e Paço Episcopal, estando congregada a Junta Provisional do Governo Supremo, compareceu nela Manuel Gonçalves de Miranda, Deputado da Junta Provincial da província de Trás-os-Montes, erecta na cidade de Bragança, segundo mostrou pela credencial assinada pelo Tenente General, presidente da dita Junta, Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, que foi vista e reconhecida neste acto, e há de ir junta no fim do mesmo; e logo pelo sobredito Deputado de Trás-os-Montes, Manuel Gonçalves de Miranda, foi dito que, segundo os poderes e instruções que trazia da sua Junta transmontana, propunha e oferecia em nome dela submeter-se a esta Suprema, debaixo das seguintes condições:

1.ª A Junta de Bragança reconhece esta Suprema Junta do Porto como depositária do poder Real e supremo do Príncipe Regente Nosso Senhor, e como tal se submete a ela enquanto pelo dito Senhor não for ordenada outra forma de governo.
2.ª A dita [Junta] de Bragança continuará as suas funções como provincial, subordinada à Junta Suprema do porto, tendo para com ela toda a responsabilidade das ordens que por esta última lhe forem expedidas.
3.ª A dita Junta provincial, nos casos extraordinários, poderá dar as providências necessárias para a segurança da província, comunicando as suas medidas à Junta Suprema; em consequência, poderá prender os traidores e espias (o que é comunicado a todas as autoridades) e poderá tomar as precauções convenientes para sufocar quaisquer germes de insurreição. Remeterá os processos dos inconfidentes a esta Junta Suprema, para se mandarem sentenciar, e as execuções se farão na província para exemplo.
4.ª Haverá na província de Trás-os-Montes um cofre onde entrem as rendas públicas provinciais, para se satisfazerem do mesmo cofre as despesas concernentes à despesa do exército. A Junta provincial fica encarregada da arrecadação das mesmas rendas, receita e despesa delas, de que dará conta a esta Junta Suprema. Os comissários e pagadores que do dito cofre receberem dinheiros para os pagamentos, darão conta à Junta provincial, remetendo uma cópia a esta Junta Suprema, para se conferir com a conta total do cofre, que lhe há de ser dada pela Junta provincial.
5.ª As tropas de Trás-os-Montes vencerão o mesmo soldo, pré e etapa* estabelecidos para as de Entre-Douro e Minho, entendendo-se o novo aumento só para as tropas de linha.
6.ª Os comandantes a quem compete farão as propostas dos oficiais, as quais virão informadas pela Junta provincial, para terem confirmação nesta Suprema Junta.
7.ª A dita Junta provincial elegerá um Deputado que assista permanentemente e tenha voto como os outros nesta Junta Suprema.
8.ª Estes artigos, sendo admitidos pela Junta Suprema, deverão ser remetidos à dita Junta provincial, para os ratificar e aprovar expressamente, remetendo um instrumento da sua aprovação e aceitação assinado por todos os seus membros a esta Junta Suprema, com a brevidade possível; e sendo propostos assim os ditos artigos, e deliberando sobre eles esta Junta Suprema, foram todos por ela aceites e aprovados com unanimidade de votos, por os acharem todos úteis e tendentes ao bom serviço do Príncipe Regente Nosso Senhor nas actuais circunstâncias.

Porto, 6 de Julho de 1808.

Alexandre José Picaluga a fez trasladar e conferir com o próprio original.

Bispo Governador
António da Silva Pinto
José Dias de Oliveira
António Mateus Freire
Francisco Osório da Fonseca
José de Mello Freire
Manuel Lopes Loureiro
Luís Sequeira da Gama
Manuel Gonçalves de Miranda

[Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, pp. 181-185].

__________________________________________

Notas: 


Soldo - paga dos militares (neste caso, oficiais); pré -vencimento diário de um militar de graduação inferior a oficial.; etapa - ração de tropas em marcha.




Acúrsio das Neves refere que "apesar deste acordo, as agitações intestinas da Junta de Bragança e as repetidas queixas formadas contra ela à do Porto e ao Bispo presidente, fizeram com este prelado aconselhasse a Sepúlveda a sua dissolução por carta de 12 de Julho, e em termos mais fortes por outra de 22. Sepúlveda, presidente da mesma Junta e General da província, não tinha mesmo assaz de autoridade para fazer entrar as coisas na ordem; e afinal os próprios membros dela tomaram a resolução de a dissolverem" [Fonte: José Accursio das Neves, Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da Restauração deste Reino - Tomo III, Lisboa, Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1811, p. 185].


Edital do Bispo do Porto ordenando a delação dos traidores e excomungado os que não a praticassem (6 de Julho de 1808)