quarta-feira, 27 de julho de 2011

Edital da Junta Suprema do Porto publicando a derrota do exército de Dupont na Andaluzia (27 de Julho de 1808)




Excerto de uma acta de vereação da Câmara de Faro (27 de Julho de 1808)



[...] Na mesma vereação se houve por suspender a Manuel dos Santos Pereira do ofício de escrivão da freguesia de Moncarapacho e juntamente [que] seja preso e conservado na cadeia enquanto não restituir todas as parcelas que recebeu de vários moradores do mesmo lugar, a título de serem para compra das mantas que as tropas estrangeiras pediam, visto ter desobedecido à ordem do Doutor Juiz de Fora [que] há muito lhe enviara para fazer a dita restituição, para cujo fim se passem as ordens necessárias. E logo se nomeou para escrivão Manuel Dias Pereira, ao qual se deferiu juramento aos Santos Evangelhos. [...] 

[Fonte: Arquivo Histórico Militar, 1.ª div., 14.ª sec., cx. 186, doc. 24].

Notícias publicadas na Gazeta de Lisboa (27 de Julho de 1808)



Lisboa, 27 de Julho. 


A revista geral que, como fica anunciado, se efectuou Sábado passado, ofereceu um belíssimo espectáculo e fez acudir uma imensa multidão de gente. Nunca se viram melhores tropas; nem, entre elas, um ardor mais impaciente para ir dar cabo dos rebeldes que se julgam muito seguros entre alguns bandos de espanhóis, reunidos ao acaso, e a quem se vai a fazer pronta justiça! 
A sobredita revista durou desde as 5 até às 8 horas da tarde. A infantaria, a cavalaria, a artilharia e os artilheiros cobriam as imensas Praças do Comércio e [do] Rossio, as ruas Augusta e dos Ourives d'Ouro e da Prata, e várias outras contíguas. 
O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes, General em Chefe do Exército, foi acolhido pelas tropas, assim como o costuma ser, logo que se apresenta entre soldados, em quem parece que vê outros tantos filhos seus: estava no seu brilhante traje de Coronel-General dos Hussardos de França, trazendo por cima a sua banda encarnada de que pendia a grande águia da Legião de Honra. 
Sua Excelência levava adiante os seus Ajudantes de Campo, também vestidos como Hussardos, e atrás um grande número de oficiais Generais e superiores; entre outros, o General de Divisão de Laborde, Comandante superior de Lisboa e dos Fortes; e os Generais de Divisão Conde do império Loison, e Kellermann. 
Nenhuma das particularidades relativas à disciplina, vestuário e armamento das tropas, e ao essencial desta parte do seu exército, escapou à atenção do General em Chefe; parecia que tudo se fazia digno dos maiores elogios da parte de Sua Excelência, que se retirou tão satisfeito das suas tropas e do seu excelente espírito, quanto estas se mostram sempre sensíveis à sua bondade, à sua afabilidade e ao desvelo paternal que lhes dá a conhecer em toda a ocasião.

Constava, havia algum tempo, que os rebeldes e os seus partidistas tinham por uma coisa muito importante o tentar que efeito produziria no povo de Lisboa a repentina aparição dos diferentes sinais e emblemas que eles trazem nas partes levantadas das províncias. Era porém difícil achar algum tão temerário que consentisse numa tal tentativa, dentro da própria capital, e quase à vista do exército francês. 
Finalmente, os agentes dos rebeldes encontraram, para a parte de Belém, um indivíduo que, movido pelo dinheiro, pelo fanatismo e também por uma espécie de extravagância habitual, que nem por isso deixa de ser menos perigosa, se aventurou, Domingo passado [24 de Julho], a oferecer-se para exibir um tal espectáculo. 
Debalde lhe representaram no seu bairro várias pessoas do seu conhecimento que arriscaria a sua vida pelo inútil projecto de servir os inimigos internos e externos de Portugal; ele porém estava persuadido de que ia impunemente ganhar o seu dinheiro e sublevar o povo. 
No Domingo pela manhã, à hora que os fiéis acodem às igrejas, o tal sujeito, por nome Manuel José, de idade de 28 anos, correio que fora do ex-ministro Araújo, e que residia em Lisboa havia muito tempo, se bem que era de origem castelhana por bastardia, se pôs em trajo de rebelde, com as cruzes, cores e cocar de seu uso, à porta de uma das principais igrejas de Lisboa, e decorreu sucessivamente várias outras. 
O Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes foi logo informado desta criminosa provocação à rebelião.
O dito Manuel José foi imediatamente preso e interrogado com toda a diligência: confessou ele tudo o que lhe era pessoal; mas obstinou-se em calar os nomes do que lhe haviam pago para ser seu precursor. 
Teve pois sentença de ser logo espingardeado. Conseguintemente, a execução se fez, naquele mesmo dia, na Praça do Comércio, aonde o réu foi conduzido, com a assistência de um confessor, seguindo-o uma numerosa multidão de gente que reconhecia a justiça de um acto de severidade necessário para dissuadir os cúmplices dos rebeldes de toda a trama contra a tranquilidade de Lisboa. 

Estes dias passados partiu daqui um grande número de tropas para uma expedição cujos resultados não tardarão em ressoar por Portugal, e em dar a conhecer aos rebeldes o partido que há em fazer frente a soldados vencedores da Europa, se se ousar esperá-los! A execução destas operações, delineadas por Sua Excelência o General em Chefe, foi por ele confiada ao Senhor General de Divisão Loison, que leva às suas ordens os Generais de Brigada Margaron e Solignac. 

Alguns velhacos se lembraram, há dias, de dirigir a prelados de conventos e a negociantes supostas requisições de dinheiro, disfarçadas com motivos respeitáveis, em nome de diversas autoridades e especialmente do senhor Conselheiro do Governo, Intendente Geral da Polícia do Reino [Lagarde]. A falsificação das assinaturas e dos selos era tão grosseira que ninguém com ela se podia enganar. Contudo, para evitar toda a surpresa deste género, estamos autorizados para declarar que nenhuma soma de dinheiro se pode levantar [a] menos que seja pelo Secretário de Estado das Finanças [Hermann], na forma ordinária; por efeito de leis anteriores ou dum decreto do Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Duque de Abrantes. Portanto, a ordem formal de Sua Excelência é que aqueles que receberem clandestinamente avisos para o fornecimento de fundos sem autorização como fica dito, façam logo prender os portadores, e os enviem à Intendência Geral da Polícia com os originais dos documentos que lhes forem dados para sua segurança, a fim de verificar a letra, e facilitar deste modo os meios de fazer com que sejam presos os falsários. 
Aqueles que, nesta espécie de casos, deixarem de conformar-se às referidas disposições, a si deverão imputar os laços em que caírem e o vão desassossego que se procurar inspirar-lhes com desatinadas ameaças e ridículas imposturas. 

É de notar, de algum tempo a esta parte, que o Teatro de S. Carlos multiplica os seus esforços por merecer a alta protecção que o sustém e extrair a afluência do público. As óperas e as danças novas se sucedem com rapidez e vão entressachá-las, de sorte que deixam removida a monotonia que produz a repetição diária dos mesmos dramas. A ópera séria e a ópera burlesca se representam aí alternadamente, com a música dos melhores mestres. 
Hoje, Quarta-feira, se torna a representar uma grande ópera nova intitulada Il Credolo [de Domenico Cimarosa], com a dança La Contadina Astuta [de Giovanni Battista Pergolesi], na qual executará o principal papel [a] Madame [Eufemia] Eckart Neri, de quem estivera a ponto de ficar privado o sobredito teatro, e cujo talento, apreciável ao público, se reproduz aí, em cada ocasião, com grande lustre. 

[Fonte: Gazeta de Lisboa, n.º 29, 27 de Julho de 1808].

Resposta de George Canning, Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros do Governo britânico, a D. Domingos António de Sousa Coutinho, embaixador de Portugal em Londres, sobre os socorros requeridos pela Junta Suprema do Porto (27 de Julho de 1808)



Secretaria dos Negócios Estrangeiros, 27 de Julho de 1808


Meu Senhor: 

Fiz presente a El-Rei a vossa nota de 19 de Julho com os papéis inclusos do Bispo do Porto. E Sua Majestade ordenou-me de vos certificar o vivo interesse que Sua Majestade toma nos valorosos e espontâneos esforços que fazem os portugueses para recobrar a sua independência e a leal afeição que manifestam ao Governo do seu legítimo Soberano.
Tenho agora que vos dizer que, antecipando a possibilidade de semelhante esforço em Portugal, Sua Majestade tinha já dado ordens para que fosse embarcada a bordo da esquadra em que foram as tropas que manda o Cavalheiro Arthur Wellesley, uma quantidade de armas quase igual ao número que pediu o Bispo do Porto.
Outra quantidade quase igual será imediatamente remetida à Corunha, a requerimento da Junta do Reino da Galiza, com a qual Junta parece que o Governo provisional do Porto tem contraído empenhos, que fazem o socorro dado a um igualmente útil para o outro.
Enquanto à assistência pecuniária, não há coisa que impedisse o cumprimento desta petição, excepto a extrema e crescente dificuldade de achar moeda metálica para fazer remessa, depois do muito que tem sido esgotado o tesouro britânico com os peditórios de várias províncias de Espanha.
Uma soma de duzentas a trezentas mil patacas (dólares) será imediatamente embarcada e remetida ao Porto, conforme vós requerestes. Se maior soma em moeda metálica se poderá achar, é o que não saberei dizer por ora. Porém, é de esperar que o feliz sucesso dos esforços que se fazem agora em Portugal, haja de brevemente abrir os meios de crédito, dos quais o Governo lá estabelecido se poderá valer.
Os outros preparos que vós pedis, espadas e pólvora, serão imediatamente fornecidos até às quantidades que vós especificastes, e serão remetidos ao Porto com a possível brevidade. 
Tenho a honra de ser com alta consideração,
Meu Senhor,
Vosso obediente humilde servo,

George Canning

[Fonte: Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Publicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potencias desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, pp. 16-17; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 58-59.