sábado, 13 de agosto de 2011

Assento do Conselho Militar do Exército português em Leiria (13 de Agosto de 1808)



Havendo o Exército português, de acordo com as tropas auxiliares de Sua Majestade Britânica, marchado para Leiria com o intuito de atacar os franceses em Lisboa, e devendo nesse ponto de reunião tomar-se as medidas para a combinação dos movimentos dos dois Exércitos, se achou que o país [=região] por onde o Exército português devia marchar para seguir o movimento destinado dos ingleses, dificultosamente poderia fornecer a subsistência necessária, e que em tal caso a nossa marcha, carecendo de prevenções dificultosas de tomar, e sendo absolutamente regulada pela velocidade com que os víveres nos pudessem seguir, não podia ter aquela brevidade com que o General do Exército britânico se propunha a marchar, pela falta de subsistência, que ele mesmo anunciou; e considerando por outra parte a alternativa em que o dito General punha o General do Exército português, de marchar logo em seu seguimento em direitura a Alcobaça, a tentar a sorte de uma acção geral que devesse decidir da sorte de Portugal ou de reforçar o Exército britânico em contin[g]ente com 1.000 homens de infantaria, com os caçadores e com toda a cavalaria portuguesa, ou finalmente, em último lugar, de obrar só o Exército inglês, ficando porém a responsabilidade de qualquer revés sobre o General Bernardim Freire, se não se prestasse à requisição daquele contingente, assentou este de propor o negócio em conselho com os Generais do Exército e os principais comandantes das diferentes armas, cujo resultado foi o seguinte:
Que se devia assentir à proposição de unir parte da tropa requerida ao Exército inglês, pois que removidas quanto a esta parte as dificuldades de subsistência, convinha muito que tivessem os portugueses parte no fim de empresa tão alta, e a que estes sem auxílio externo tinham dado princípio; porém, que não era conveniente de modo algum dar-se toda a cavalaria e ficar sem alguma o Exército, nem tão pouco o podia ser empenhar-se o Exército português em seguir cegamente as operações das Tropas Auxiliares britânicas, expondo à sorte de uma acção geral todos os nossos recursos, assim de subsistências como de forças, deixando aberto pela nossa esquerda largo campo às suas incursões, e mesmo a projectos mais consequentes, tais como seria a possessão de Coimbra e mesmo vencido este primeiro obstáculo, adiantar-se o inimigo sobre o Porto, centro da nossa união, recursos e Governo, porque havia o duplo objecto não só de ir sobre Lisboa mas ao mesmo tempo o de obstar a qualquer acto de desesperação com que o inimigo comum procurasse em último lugar desembaraçar-se da crítica situação em que se acha, penetrando para a Beira Alta a procurar para si novos subsídios, e a diminuir as nossas forças; matéria esta que não só militarmente, mas também politicamente se devia considerar e atender, tendo em vista as circunstâncias em que se acham os habitantes destas províncias e o seu modo de pensar. 
E que finalmente parecia conveniente, para conseguir os objectos propostos, que o nosso Exército independente, suposto que em correlação com os ingleses, obrasse fazendo uma diversão pela direita do inimigo, pondo-se em posição de atacá-lo de concerto com as tropas da Beira Baixa em Abrantes, se ainda ali se achasse, ou pelo lado de Santarém, e mesmo atacando-o ali seriamente, tendo-se reforçado o Exército com tudo quanto e sem perda de tempo se pudesse a ele reunir; e que a nossa posição, para estar à mão de desempenhar os indicados fins, se devia tomar em Ourém, por ser um lugar dominante e reunir aquelas qualidades essenciais que podem fazer valer as nossas tropas, sem obrigar-nos a grandes manobras, para as quais a nossa tropa sem a necessária prática militar não se pode supor apta. 
Quartel-General de Leiria, 13 de Agosto de 1808.

Aires Pinto de Sousa [Major e Ajudante de Campo].
Luís Gomes de Carvalho [Coronel do Corpo de Engenheiros].
Filipe de Sousa Canavarro [Coronel da Guarda Real da Polícia de Lisboa].




[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 186-188 (incluído no doc. 17)].

Carta do General Wellesley ao General Bernardim Freire de Andrade (13 de Agosto de 1808)



Quartel-General, Calvaria,  13 de Agosto de 1808.


O Tenente-Coronel Trant informou-me esta manhã acerca da aflição que as vossas tropas poderão estar prestes a sofrer devido à falta de pão, e instou-me seriamente, da parte de Vossa Excelência, para que o Comissariado britânico enviasse pão para as tropas portuguesas*. Devo pedir licença para recordar a Vossa Excelência que disse-vos repetidamente que não tinha poder para abastecer as tropas portuguesas com pão; e de facto, quando Vossa Excelência reflectir sobre a minha situação neste país, na remota esperança que Portugal iria a qualquer momento ver supridas as suas necessidades de pão pelas tropas britânicas, na distância a que estamos da Grã-Bretanha, donde devemos obter o nosso fornecimento de pão perante estas circunstâncias, e, acima de tudo, no facto de que não fiz quaisquer preparativos anteriores para responder a um pedido tão extraordinário da parte de Vossa Excelência, estou convencido que dar-me-eis a justiça de acreditardes que, ao declinar aquiescer com as vossas vontade sobre este assunto, sou levado a agir apenas tendo em conta estas circunstâncias, atendendo à nossa situação no momento presente, circunstâncias essas que podem ter uma influência fatal sobre o sucesso do serviço onde ambos nós estamos empregados. Peço licença para voltar a lembrar que disse a Vossa Excelência, no Porto, que não posso suprir pão às tropas portuguesas; que repeti-vos isto em Montemor-o-Velho e informei-vos nessas duas conferências que deveria pedir vinho e carne para os meus soldados, e palha e grãos para os cavalos e para o gado agregado ao Exército. Marchei para diante a toda a pressa, e com grandes inconvenientes para o Exército, de maneira a obter o depósito formado em Leiria, pois entendi que o mesmo era para o uso da tropas britânicas, mas quando ali cheguei, fui informado pelo Comissariado português que se ele entregasse o pão às minhas tropas, não haveria nenhum para aquelas que estão debaixo do comando de Vossa Excelência, e assim sendo, desisti de o pedir; e de facto nada recebi em Leiria, à excepção de vinho para um dia.
Estou realmente muito preocupado que as tropas de Vossa Excelência venham a sofrer algumas dificuldades; mas deveis estar consciente que não é sobre mim que devem recair os preparativos para abastecê-las; e que não pedi uma parte maior dos recursos do país (particularmente, não pedi pão), mas sim a necessária para as tropas de Sua Majestade [Britânica]; e confio que vereis que é apropriado adoptar alguns preparativos que permitam alimentar eficazmente o Exército que conduzireis para Lisboa; ao mesmo tempo que permitireis que as tropas de Sua Majestade [Britânica] desfrutem daqueles recursos do país que acima mencionei, os quais fazem-lhes falta.
Como agora é certo que o General Loison marchou de Tomar para Torres Novas, não vejo que possa resultar inconveniente algum em Vossa Excelência parar em Leiria hoje ou talvez amanhã; em cujo momento espero que tenhais tido o poder de fazer os preparativos que recomendei para os vossos abastecimentos.
Tenho a honra de ser, Senhor, o mais obediente e humilde servidor de Vossa Excelência.

Arthur Wellesley

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, pp. 175-176 (doc. 13)].
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Nota: 

É estranho que Bernardim Freire de Andrade tenha voltado a fazer tal requerimento, não só pelas razões que Wellesley expõe nesta carta, mas sobretudo porque, aparentemente, tal assunto não tinha sido abordado na noite anterior, quando ambos os Generais se encontraram em Leiria, onde ficara acordado plano de marcha proposto pelo General britânico e inclusive a hora de partida das tropas portuguesas, como contará Wellesley a Lord Castelereagh, em carta de 16 de Agosto

Notícia publicada na Minerva Lusitana (13 de Agosto de 1808)



Leiria, 13 de Agosto.


Toda a estrada desde Coimbra até Leiria está tão deserta, que não dá o menor indício de guerra. O nosso Exército combinado chegou aqui na melhor ordem, disciplina, harmonia e disposição, que só se pode imaginar. É muito para admirar que nem um único soldado ficasse atrás.
O nosso Exército acantonado em Pombal fez ontem um movimento geral para adiantar-se e unir-se ao Exército inglês em Leiria.
Hoje chegaram 3 franceses presos por uma patrulha nossa em Tomar.
O General Wellesley tem já uma boa carta[=mapa] destes contornos.
Pelas 7 horas da manhã saiu daqui hoje uma Brigada inglesa para diante, composta de 1.500 homens.
Todo o Exército marchou também.



Carta do Bispo do Porto ao General Bernardim Freire de Andrade (13 de Agosto de 1808)



Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor:

Tenho por certo que esta [carta] vai aparecer a Vossa Excelência em marcha para Lisboa; não posso ocultar-lhe o cuidado que me aflige bastante, se terão esses malditos cortado ou minado as estradas para Lisboa; não estou livre de cuidado a respeito de franceses pelo norte, porque diferentes cartas de Espanha concordam em que andam doze a treze mil homens no Reino de Leão, e na Junta daquele Governo tem havido alguma desordem por causa de traidores, dos quais um já se acha preso. Para Lamego marchou o Regimento de Basto e para Amarante dois Esquadrões de Braga, para poderem com mais brevidade acudir onde convier. Agradeço muito a Vossa Excelência o mimo das suas muito eloquentes proclamações*, que espero [que] sejam muito úteis para animar os nossos aflitos lisboetas; se eles fizerem como os matritenses [=madrilenos], bem estamos. Na ida de Sebastião Correia [Superintendente da Alfândega do Porto] não há dúvida alguma, senão uma resposta que ele espera de Vossa Excelência. Tenho em toda a consideração uma carta que recebi do Sr. Nuno Freire, e responderei como o caso pede.
Deus guarde a Vossa Excelência muitos anos.
Porto, 13 de Agosto de 1808.
De Vossa Excelência muito atento venerador e obrigado,

Bispo Presidente Governador

[Fonte: Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 176 (doc. 12)].

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Nota: