terça-feira, 23 de agosto de 2011

Carta do Almirante Cotton ao General Dalrymple, manifestando a sua desaprovação sobre os artigos do armistício de 22 de Agosto (23 de Agosto de 1808)




H.M.S. Hibernia, defronte de Cascais, 23 de Agosto de 1808 


Senhor: 

Havendo os franceses evacuado Setúbal, segundo a informação que recebi esta manhã; e esperando-se ali a cada hora o exército português, que sobe certamente a 4 mil ou a 5 mil homens, me faz sugerir a conveniência de destacar metade ou mais das tropas que estão na Maceira [=Porto Novo], debaixo do comando do Tenente General Moore, para as desembarcar em ou junto a Setúbal, que, com a assistência dos leais portugueses, se pode certamente tomar posse da margem esquerda do Tejo e prevenir efectivamente a retirada do Exército francês para Elvas. 
Eu lembro isto na suposição de que nunca se poderá concordar nos artigos preliminares que li ontem, de maneira que façam um tratado definitivo tanto a favor do exército francês, batido duas vezes, e 30.000 homens de tropa inglesa em Portugal. Sem grande alteração nestes artigos, jamais poderei aceder a tal tratado. 
Tenho a honra de ser, etc. 

Cotton

[Fonte: Correio Braziliense, Abril de 1809, p. 310; Simão José da Luz Soriano, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal. Compreendendo a História Diplomática, Militar e Política deste Reino, desde 1777 até 1834 – Segunda Época - Tomo V – Parte I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893, pp. 109-110].

Notícia publicada na Minerva Lusitana (23 de Agosto de 1808)


Figueira, 23 de Agosto


Hoje começou a desembarcar o Exército comandado pelo General John Moore, de que já haviam em terra mais de 3.000 homens, quando o dito General recebeu cartas do primeiro Exército [o de Wellesley], em consequência das quais fez logo suspender o desembarque, e voltar para bordo quantas tropas haviam saído.


[Fonte: Minerva Lusitana, n.º 27, 27 de Agosto de 1808].

Extracto duma carta de um Ajudante de Campo do Exército português (23 de Agosto de 1808)


Lourinhã, 23 de Agosto.

O General Kellermann, acompanhado de dois esquadrões de Cavalaria, chegou ontem ao Vimeiro, Quartel-General do Exército inglês, para tratar com o General em Chefe uma capitulação; mas a negociação foi-lhe deferida para hoje, e o Excelentíssimo Bernardim Freire agora partiu para o dito Quartel-General para efectuar-se a pedida capitulação.
Esta deliberação do General Junot foi tomada depois da grande acção que houve no dia 21 do corrente entre o seu Exército e o Exército combinado; e não obstante todas as instruções militares que o General Junot aprendeu do Grande Napoleão, com que queria ensinar os portugueses a vencer, mas de cujas lições não quis agora aproveitar-se, ou de que já estaria esquecido; e não obstante, além disto aparecer de surpresa ao Exército inglês, foi batido, perdendo seguramente acima de 2.000 homens entre mortos e feridos, 2 Generais prisioneiros, que se diz serem Laborde e Brenier; e não se sabe com certeza se Loison foi morto; perderam 22 peças com as suas competentes munições. 
Nas duas acções que tem havido, calcula-se a perda dos franceses 4.000 homens, muito considerável sem dúvida para um Exército de 11.000 homens.
Os grandes guerreiros que têm aterrado a Europa estão tão possuídos do medo, que já fogem como galgos. O forte do Exército estava a 3 quartos de légua do Exército inglês para cair sobre a retaguarda do inimigo, o que não foi preciso; porque a boa posição que tomou o nosso General os intimou de modo que não ousaram dar ocasião a serem atacados.

[Fonte: Minerva Lusitana, n.º 27, 27 de Agosto de 1808].

Notícia publicada na Minerva Lusitana (23 de Agosto de 1808)


Coimbra, 23 de Agosto 


Consta-nos que o Exército inglês que começara a desembarcar Sexta-feira passada na Figueira, tornou a embarcar-se, por avisos que para isso recebeu; e vai aportar noutro ponto da costa, mais ao sul.

Carta do General Dalrymple ao General Bernardim Freire (23 de Agosto de 1808)



Quartel-General do Ramalhal, 23 de Agosto de 1808.


Senhor:

Tenho a honra de anexar, para conhecimento de Vossa Excelência, uma cópia da suspensão de armas, acordada e assinada ontem por Sir Arthur Wellesley e pelo General Kellermann
Talvez seja necessário explicar a Vossa Excelência que o que se menciona sobre o Exército português é relativo a alguns corpos na parte do país mencionada no artigo [4.º]; mas que o exército que serve debaixo do comando imediato de Vossa Excelência, unido às tropas britânicas, está compreendido na mesma categoria destas.
Tenho a honra de ser, Senhor, o vosso mais obediente e humilde servidor.

Hew Dalrymple

[Fonte: Copy of the Proceedings upon the Inquiry relative to the Armistice and Convention, &c. made and conclued in Portugal, in August 1808, between The Commanders of the British and French Armies, London, House of Commons Papers, 31st Jannuary 1809, p. 201 (doc. 95); Memoir, written by General Sir Hew Dalrymple, Bart., of his proceedings as connected with the affairs of Spain, and the commencement of the Peninsular War, London, Thomas and William Bone Strand., 1830, p. 307. Existe uma outra cópia do texto original em inglês, bem como a respectiva tradução em português, in Luís Henrique Pacheco Simões (org.), "Serie chronologica da correspondencia diplomatica militar mais importante do General Bernardim Freire de Andrade, Commandante em Chefe do Exercito Portuguez destinado ao resgate de Lisboa com a Junta Provisional do Governo Supremo estabelecido na cidade do Porto e o Quartel General do Exercito Auxiliar de S. Magestade Britanica em Portugal", in Boletim do Arquivo Histórico Militar - Vol. I, Lisboa, 1930, pp. 153-227, p. 199(doc. 32)]. Outra tradução desta carta encontra-se disponível na obra de Julio Firmino Judice Biker, Supplemento á Collecção dos Tratados, Convenções, Contratos e Actos Públicos celebrados entre a Corôa de Portugal e as mais Potências desde 1640 - Tomo XVI, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878, pp. 75-76]. 



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Nota:

Apesar de datada de 23 de Agosto, esta carta foi na verdade escrita a 24 de Agosto, tendo a data sido alterada em condescendência a Bernardim Freire de Andrade, como viria a referir o Major Aires Pinto de Sousa em carta do próprio dia 24 de Agosto


Carta oficial do General Wellesley ao Capitão Pulteney Malcolm, do navio Donegal (23 de Agosto de 1808)




Ramalhal, 23 de Agosto de 1808.



Tenho a honra de vos informar que um acordo para suspensão de hostilidades entre o exército britânico e o francês, preliminar aos preparativos duma Convenção para a evacuação de Portugal por parte do exército francês, foi assinado na noite passada segundo ordens do Comandante em Chefe [Dalrymple].
O Comandante em Chefe deseja que vos informe que ele recebeu ordens para enviar para a Inglaterra todos os transportes de cavalos que agora se encontram em Portugal, com a excepção daqueles que trouxeram o regimento n.º 18 de dragões ligeiros, deduzindo ele que recebereis ordens do Almirante [Cotton] para enviá-los para a Inglaterra sem demora. Ele deseja ainda que todos os outros transportes que estão no rio Mondego, no Porto, ou na costa da Maceira, sejam levados para a boca do Tejo imediatamente; e pediu-me para requerer que dareis ordens para que eles partam para aquele destino. 
Tenho a honra de ser, 


Arthur Wellesley

Carta privada do General Wellesley ao Capitão Pulteney Malcolm, do navio Donegal (23 de Agosto de 1808)



Ramalhal, 23 de Agosto de 1808.


Meu caro Malcolm:

Torrens escreveu-vos na noite de 21 para vos informar da completa vitória que obtivemos, tendo sido uma das suas consequências uma suspensão de armas entre os franceses e nós, preliminar à sua evacuação do país, cujas condições assinei na noite passada.
Apesar de ter assinado estas condições, peço-vos para não acreditardes que aprovei inteiramente a forma como este instrumento está escrito.
Recebereis hoje uma carta pública minha sobre este assunto, na qual vos requeiro a levardes toda a vossa frota de transportes até à boca do Tejo, exceptuando os navios que transportaram os cavalos, que devem partir para a Inglaterra.
Acreditai em mim,

Arthur Wellesley

P.S.: Seria-nos muito conveniente que comunicásseis com o Capitão Bligh quando passardes por ele. Ficarei muito obrigado a vós se tiverdes outro barril do meu vinho engarrafado e posto em caixas, como o último, e deixar um deles com Bligh para mim. 


Memorando do General Wellesley ao General em Chefe Dalrymple (23 de Agosto de 1808)



I. Seria muito desejável instruir o Coronel Murray hoje bem cedo, para instar ao Almirante [Charles Cotton] a comunicar-se com o Almirante russo, a fim de que este último seja informado que, qualquer que seja o resultado das negociações entre Sir Hew [Dalrymple] e o Duque de Abrantes, a esquadra russa não deverá ser incomodada, se eles se comportarem como deve ser num porto neutro, e se não tomarem parte na contenda. 

II. Se o Almirante [Cotton] consentir nesta disposição a favor dos russos, e se estes ficarem satisfeitos com este ponto, o Comandante em Chefe francês deverá ser pressionado sobre os seguintes pontos na negociação para a Convenção: 

1.º O forte de Peniche será evacuado em dois dias; o forte de Elvas e de Lippe em quatro dias; o forte de Almeida em cinco dias; o exército francês atravessará o Tejo e evacuará Lisboa e todos os fortes do Tejo em quatro dias a partir da assinatura da Convenção, e preparar-se-á para embarcar em sete dias, ou logo depois que o Comandante em Chefe britânico o possa indicar. 
Entretanto, o exército britânico poderá usar o porto de Lisboa e navegar no Tejo. 

2.º Determinar-se-á o modo de pagamento do contrato dos transportes. 

3.º Determinar-se-á o porto para desembarcar os franceses; Rochefort ou Lorient serão os melhores, por estarem a grande distância da Espanha e da fronteira austríaca. 

4.º Será requerida uma garantia para os transportes que forem aos portos indicados, e para o regresso dos mesmos; pois cinquenta deles enviados com o exército [francês] do Egipto ficaram detidos na França. 

5.º Planear-se-á algum modo para fazer com que os Generais franceses restituam a prata das igrejas que tenham roubado. 

6.º Determinar-se-á uma troca de prisioneiros. 

7.º Não haverão transportes para os cavalos, e deve-se permitir que os franceses deixem aqui comissários para vender os cavalos ou para contratar embarcações para transportá-los para a França, mas certamente não a própria cavalaria. 

Ramalhal, 23 de Agosto de 1808. 


Diário do General John Moore (23 de Agosto de 1808)


A bordo da [chalupa canhoneira] Brazen, no alto mar, a 23 de Agosto.



Ancorámos o [navio] Audacious na baía do Mondego na tarde do dia 20, mas poucas foram as embarcações do comboio que conseguiram chegar naquela noite ou no dia seguinte, devido à calmaria e aos ventos fracos. Comuniquei com o Capitão Malcolm do [navio] Donegal, que estava aí estacionado como responsável pelos transportes. Malcolm não recebia informações de Sir Arthur há seis dias, mas presumia que ele tinha avançado até perto de Óbidos. Recebi uma carta de Sir Harry Burrard, que incluía correspondência que ele tinha trocado com Sir Arthur Wellesley. Burrard não tinha ainda visto Sir Arthur, cuja carta tinha sido remetida de São Martinho, no dia 19. Por outro lado, a carta de Sir Harry declarava a sua apreensão por Sir Arthur, que, segundo ele pensava, tinha avançado demais, e como a intenção de Sir Arthur, declarada na sua carta, era marchar para Lisboa por Mafra, o General [Harry Burrard] ordenou-me para desembarcar no Mondego e dirigir-me para Leiria, de forma a que, se sofrer algum revés, Sir Arthur possa ter algum recurso. 
Desembarquei no dia 21, indiquei o terreno onde as tropas se abarracariam quando desembarcassem, pois não queria usar tendas, e, depois de fazer algumas disposições, regressei a bordo. A dificuldade de um desembarque no Mondego é muito grande: somente pode ser feito em certos períodos da maré, e nunca se o tempo não estiver calmo. A barra à entrada do rio é muito má. Até então tinham chegado poucos dos navios [do comboio que transportava o corpo de John Moore], e nenhum trazia o Comissário Geral ou o Estado-Maior do exército. Durante a noite chegou uma parte considerável dos navios, e fizeram-se disposições para o desembarque, no dia seguinte, da cavalaria, da artilharia e da primeira divisão da infantaria. Quando estive em terra vi um Capitão do regimento n.º 45, que tinha deixado o exército de Sir Arthur no dia 18. Este estava então a algumas milhas adiante de Óbidos. No dia anterior, tinha tido um combate com um corpo do inimigo de cerca de 8.000 homens, que se tinham disposto na ladeira no lado oposto duma ravina sobre a qual passa a estrada. Forçámos-los a abandonar aquela posição, mas não sem a perda de 400 ou 600 homens mortos e feridos. Entre os primeiros estavam os Tenentes-Coronéis Lake do Regimento n.º 29 e Stuart do 9.º Regimento de Infantaria. 
O desembarque das tropas, tal como se tinha disposto no dia anterior, começou às oito horas do dia 22, e, depois de ter dado as minhas ordens aos oficiais Generais em relação às disposições que iriam ser levadas a cabo nos próximos dias, eu próprio desembarquei, quando me chegou uma carta, através da Brazen, da parte de Sir Harry Burrard, remetida a poucas milhas a sul de Peniche, ao entardecer do dia 20. Ele tinha tido uma entrevista nessa tarde com Sir Arthur Wellesley, cujo exército estava postado a poucas milhas daí. Junot, com toda a sua força, tinha avançado desde Lisboa, e estava em Torres Vedras. Sir Harry Burrard dizia que julgava que era importante que eu me reunisse imediatamente ali consigo, juntamente com as tropas debaixo do meu comando; e que ele devia continuar no terreno então ocupado por Sir Arthur até que eu me juntasse a ele.
Ele queria que eu partisse imediatamente com as tropas que não tinham desembarcado ainda, e que deixasse alguns oficiais Generais para reembarcar o resto e prosseguir a viagem. Foram imediatamente dadas ordens para parar o desembarque, e, apesar da maior parte da infantaria, muita artilharia, e para cima de 150 cavalos estarem então, por volta da uma da tarde, em terra, ainda assim toda a artilharia e toda a infantaria reembarcou, e uma parte dos cavalos e da frota fez-se à vela antes de anoitecer. O Capitão Malcolm, cujo empenho foi bastante grande, garantiu-me que os cavalos deveriam reembarcar na primeira maré da manhã. Como Sir Harry Burrard declarava na sua carta a vontade de que eu me juntasse consigo sem demora, passei a esta embarcação, a qual me tinha trazido a sua carta, e deixei o General Hope no Audacious para trazer o comboio. O vento, contudo, esteve contra durante toda a noite, e pouco avançámos. Vemos o comboio à distância.

Horrid Visions or Nappy Napp'd at Last, caricatura de Thomas Rowlandson (23 de Agosto de 1808)






Visões horríveis ou Napoleão apanhado finalmente desprevenido. 
Caricatura gravada por Thomas Rowlandson, segundo desenho de George Moutard Woodward, publicada a 23 de Agosto de 1808.



No centro da caricatura aparece Napoleão com o cabelo eriçado, fustigado pelos trovões britânicos e ameaçado por todos os lados. Espantado, exclama com preocupação: O que é tudo isto que vejo e ouço? Atrás de mim o trovão britânico e um furacão espanhol! Diante de mim a Águia austríaca saindo da sua gaiola, e o urso do norte despertando da sua letargia! Ao fundo está uma nuvem de males! E escuto os sapos coaxando nos pântanos holandeses. O que será de mim?




Pormenor representando o Rei José Bonaparte apanhado no meio do furacão espanhol.




Outra digitalização: